sexta-feira, 29 de junho de 2012

Respirando


Sabe quando a gente lembra que estamos sempre respirando? Quase nunca. Percebi isso ao vê-la morrer. Sabia o que estava acontecendo, sabia que seriam seus últimos goles de ar, acordei naquela manhã sabendo. Cada inspiração e expiração gastava mais tempo do mundo, as maiores pausas, até parar de vez. Soube imediatamente o que tinha acabado de acontecer: ela morreu. Então era assim que acontecia. Seu pulmão não mais buscava ar, seu diafragma aquietava-se pela primeira vez em décadas, seu coração parou. E o sangue nas veias não mais circularia, era tanto sangue e tanta veia. Aquele calor produzido continuamente por todos esses anos rapidamente se dissipara para o ambiente, era daquele quarto agora, não mais dela. Perdeu seu calor.

Perdeu também seu sufoco, mas foram com ele os sorrisos. Com o ar, foi-se a voz. Logo mais iriam também os carbonos. Voltariam pra terra, ela ficaria feliz com isso.

Mas morto amado nunca mais pára de morrer, aprendi isso logo. Admirava minha mãe morta na cama, e daquele segundo em diante não sabia mais o que fazer. Morri também, mas fiquei aqui. Recomecei: eu respiro, ela não. Quanto tempo fico na cama ao seu lado? O que faço entre o acordar e o dormir? Quando o tempo é doloroso - não porque você dói enquanto ele passa, mas porque ele, em si, te causa agudo desconforto com todos esses minutos e horas jogados nas suas mãos, e você, perdida, não sabe como fazê-los sumir - aí sim é dor de tempo.

Era morta a mãe, tentava entender aquilo. E seu peito não mais subia com o pulmão inflado, claro, está morta, não respira mais. Não se percebia mais o batimento cardíaco na sua jugular, claro, está morta, não bate mais. Toquei em sua perna, agora fria, claro, o sangue não te esquenta mais. A gente nunca lembra que é quente, só quando fica frio. Quis tirar o algodão de suas narinas, poderia sufocar. A morta? Morto não morre sufocado.

Desde então fui aprendendo a reaprender, sempre, o já sabido. A admirar-me com o esperado. E a enterrá-la mais de uma vez por dia.

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