Mesa de bar
Batia com o dedo e observava o
movimento da pedra de gelo no copo de uísque. “Uísque-doze-anos” – dissera o atendente
do balcão – fossem dois ou vinte, não faria diferença para quem nunca bebera
antes. A garganta queimando e a cabeça temporariamente mais leve. A sensação da
derrota pesando na boca do estômago. O corpo curvado sobre a mesa. Mais um
toque no gelo, que já não se movia tanto agora.
Alguém
grita na rua e invade o bar. Ouviu as vozes bem ao fundo, sem compreender uma
palavra sequer. Também nem prestara tanta atenção, preferia a música de fundo,
um bolero há muito tocado entre as idéias, de permeio. O gelo ficara inerte.
Foi
até o balcão – “Por favor, dê mais vida a minha pedra de gelo”. Olhando para o
copo apenas, o rapaz serviu mecanicamente. Uma pedra de gelo tem quantas vidas
a sede permite. Aquela tinha vida pela terceira vez.
Notou
um relaxamento nas pernas. Deu um suspiro e jogou o corpo para trás na cadeira.
O chão se movimentava lentamente, para cima e para baixo, de um lado para
outro. Tentou fixar os olhos no gelo, mas teve dificuldade.
Lembrou-se
repentinamente de quem era e logo firmou o corpo novamente. Sentiu vergonha, e
em seguida, raiva. Seu bolero tocava mais alto, pegou o copo com força e tomou
toda a bebida de uma só vez, até o gelo vir tocar sua boca. Fechou os olhos,
teve mais raiva ainda. Ao abri-los, viu mais uma vez o gelo morto no fundo do
copo. Teve um aperto no peito e uma vontade incontrolável de alterar o rumo de
sua vida naquela noite mesmo. De alguma forma aquela música precisava terminar.
Olhou
para o gelo com o pesar de alguém que abandona um companheiro. Levantou-se,
deixou sobre a mesa o que julgou necessário para o valor do seu uísque. Foi até
o balcão, chamou o atendente – “Cuide bem do meu amigo aqui do fundo do copo.
Ele passou por muitas aventuras em pouco tempo, deve estar cansado”...
Virou-se
e dirigiu-se para a porta. Esforçou-se para não olhar para trás. Foi seguido
com os olhos pelo atendente, mais por força do hábito ou até por algum
escárnio, do que por preocupação. Demorou alguns instantes para vencer a porta.
Passou ao lado de fora e virou um vulto, mais um espectro transitando pelo lado
de fora.
Não
saberemos ao certo, mas pode ser que o atendente tivesse alguma compaixão, pois
só após o homem desaparecer na rua é que aquele atirou o gelo ao fundo da pia.
Em seguida, voltou-se para o balcão e serviu a duas ou três pessoas.
Olhou para os lados, como
se procurasse alguém do lado de dentro do bar, alguém para uma conversa, mesmo
que fiada. Passou os olhos pelo salão silencioso e acinzentado pela fumaça dos
cigarros e encontrou diversas pessoas bebendo solitariamente, cada uma olhando
para seu próprio copo.
Olhou
ao redor de novo, estava sozinho do seu lado do mundo. Correu para a pia – tristeza,
o gelo se fora.
Rib. Preto, 20 de Fevereiro de 2004
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Renê Oliveira
http://renedroliveira.blogspot.com.br/
5 comentários:
Eu acredito que vc retratou bem esse sentimento deprê que infestam os bares, a melancolia, a solidão...Um texto impecável! Muitos bebuns vão se identificar, assim como eu! Parabéns!
É triste saber que esse é o modo pelo qual os rejeitados costumam resolver sua solidão. Meu abraço.
Obrigado pelos comentários. Bom saber que houve boa recepção e, principalmente, identificação, afinal, solidão e rejeição frequentemente são estímulos para a escrita.
Abraços.
Tocante, realmente muito inspirador. Da pra imaginar bem a cena no bar e sentir todo o peso da atmosfera.
Parabéns pelo texto!
Olá Gabriel.
Que bom saber que o texto cumpriu sua função.
Queria convidá-lo a conhecer meu blog (renedroliveira.blogspot.com). É um blog novo ainda, mas tem sido atualizado com certa frequência.
Abraço.
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