quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A caneta

A noite já estava pra terminar. Como pura mágica uma caneta surgiu na minha frente para que eu relatasse toda essa história. O meu caderno foi só uma consequência e à medida que eu olhava ao meu redor, cada objeto parecia maravilhosamente no lugar certo, montavam um cenário peculiar, de casa antiga, desordenada, mas acima de tudo de um sincretismo de ideias absurdo.
Ela brilhava naquela noite, aliás como sempre brilhava. Eu nem acreditava que isso fosse possível mais uma vez, mais uma vez com ela. Mais uma vez eu degustava aqueles beijos que me preenchiam de uma maneira, que toda vez quando lembrava deles, a sede que brotava era praticamente incontrolável. Que sorte, ou habilidade, ou talvez realmente uma paixão sincera.
A questão é que ela se aprontou para dormir, a possibilidade de sexo já havia sido cortada antes mesmo de adentramos na casa, mas esse não era meu foco central, antes os beijos, esses eram primordiais. Íamos dormir num quarto que já se encontrava ocupado por um amigo dela.  Sem problemas, talvez transar na frente dele já seria de mais pra mim, mas somente dormir juntos, não teria mal algum.
E realmente não teve, afinal o cara já estava capotado, pra lá de Bagdá, deitamos e eu fiquei somente de cueca, odeio dormir de roupa. Os beijos antes do sono foram poucos, mas nos abraçamos  para dormir, com ela de costas pra mim. No abraço meus braços passavam entre os seios dela, o que me dava um certo tesão, mas o conforto e algo realmente a mais que estava acontecendo ali, me fazia esquecer de tudo. Resultado: sono forte e de poucos sonhos e um despertar de uma preguiça terrível, parecia que morávamos juntos há anos e o moleque na cama ao lado era só um hóspede nosso.
Levantar foi realmente ruim, mas não tinha como, como sempre essas acordadas eram puxadas por algum compromisso impossível de se faltar. Ela não despertava de maneira alguma, não sei se isso era proposital ou realmente seu sono que estava muito pesado, parecia mais um charme que me chamava de volta pra cama e que eu estava plenamente disposto a ceder. Cedi em partes, lhe fiz carinho nos cabelos durante algum tempo e então decidi que era a hora de ir embora. O carinho parece que lhe fez ceder um pouco no jogo, então se levantou para abrir a porta pra mim.
Na despedida, parecia um dia como outro qualquer, indicando que no fim da noite a gente fosse se ver no jantar, para podermos contar um para o outro tudo que aconteceu e deixar mais uma vez aquela coisa a mais rolar, dessa vez sem estar embriagados e dispostos a deixar fluir fundo todo o sentimento que estivesse por ali. E de fato o convite para isso veio, uma festa em outra casa, na verdadeira casa dela, uma festa que mudaria minha vida.
Mas não mudou, porque eu não fui nem ao jantar e muito menos a festa e aquele sentimento a mais foi dilacerado numa única ligação de telefone, onde eu falei me desculpando, e ela respondeu com frases curtas aparentemente amistosas. Fui tão estúpido de ainda achar que estava fazendo minha parte, essa ligação foi um divisor de águas e ela decidiu enterrar de uma maneira bem solene todo e qualquer sentimento que nutria por mim na noite anterior, decidiu enterrar para sempre e obviamente com razão.
Juro a vocês, que minha escolha não era essa, era ir à festa e consequentemente dormir várias e várias noites junto dela, mas isso não era possível. Nosso coração é divido em quatro partes. No meu caso em três já se abrigam um único nome, na quarta é onde se faz novas edificações. A terceira sempre está em crise, tendo o nome apagado por diversas vezes e substituído por outros, já a segunda é mais sólida raramente sendo atingida, a primeira dizem que intocável. Essas mudanças em todas as partes já me geraram muitas complicações e nunca consegui achar um equilíbrio perfeito para que dois nomes convivessem em plena harmonia em todas elas.
O nome em questão sabe dessa história de caba a rabo, não pensem também que sou um puto de um sacana. Na mesma noite da recusa da festa, saímos juntos e brigamos feio aumentando mais ainda meu arrependimento, mas a primeira parte do coração, no final das contas sempre toma as decisões. De lá pra cá o gosto dos beijos foram cada vez mais se consolidando enquanto categorias de memória em minha cabeça que para acessar tenho que contar histórias como essas que aqui vos falo. É claro que a vi por diversas vezes, mas a frieza, banhada às vezes em momentos esporádicos de um carinho contido, só me fez sofrer ainda mais. Por isso decidi que da próxima vez que um caneta aparecer na minha frente, vou dar meia volta e sair pelo portão que naquele caso sempre ficava aberto.

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