Acordei na calçada, após uma noite de muita bebida. Nunca me aconteceu de chegar a tal estágio, mas desta vez não houve jeito.
Quando
despertei, com uma dor de cabeça monumental, olhei para o lado e
percebi que um homem estava me espreitando. Pelos trajes mal-acabados,
parecia ser um mendigo. Fitava-me de um jeito desconfiado, acho que
percebera que eu não pertencia aquele nicho.
Nunca soube o nome dele. Por isso, vou chamá-lo de Zé.
Depois
de alguns minutos me apreciando de maneira detalhada, Zé iniciou uma
conversa que tive que escutar, já que não tinha condições de me levantar
tão prontamente. Uma conversa que nunca mais esqueci. Uma lição que,
após um tempo, passei a ouvir atentamente, assim como o aluno ao
professor. E desta maneira, descobri a importância das migalhas do bolo.
Zé:
- Por que você está aqui? Você não parece ser um necessitado.
Eu:
- Acho que bebi demais ontem, não me lembro como vim parar aqui no chão.
Zé:
- Você acha? Eu tenho certeza. E por que bebeu tanto?
Eu:
-
Não tava legal, um pouco triste e resolvi sair pra beber alguma coisa.
Sabe, aquele dia em que te dá uma tristeza não sei de onde e nada te
deixa feliz. Quando você não sabe mais onde colocar tantos problemas.
Foi um dia desses, que a gente se pergunta o que é a felicidade? Onde
ela está? Como conseguimos alcançá-la?
Zé:
- Nossa, são muitas perguntas, mas entendi o que você quer. Pelo que sei, é o que todos querem.
Eu:
-
Pois é, o que é ser feliz? Ter um bom emprego? Dinheiro? Família?
Saúde? Já ouvi casos de pessoas que tinham tudo isso e, ainda sim,
acabaram infelizes. Às vezes, acho que esse negócio de buscar a
felicidade é besteira, não existe.
Zé:
-
Pode ser que seja mesmo. Mas, e se a felicidade não for algo único que
devemos buscar? Simplesmente, por ela não estar parada em algum lugar
nos esperando no tempo e no espaço.
-
E se a felicidade for algo que está espalhada em nosso universo, como
vários pontos na linha do nosso tempo, do tempo da nossa vida?
- E se a felicidade ao invés de ser um bolo no fim da jornada forem migalhas espalhadas ao longo do caminho?
-
O problema disso é que, se as migalhas forem pequenas demais, podemos
não notá-las. Na maioria das vezes, só percebemos os pedaços maiores,
porque a nossa vontade sempre é encontrar o bolo inteiro, de uma só vez.
- Assim, esquecemos que se juntarmos todas as migalhas do caminho, no fim da estrada teremos nosso bolo.
-
Não busque a felicidade, somente aproveite todos os momentos que te
deixam feliz, mesmo os mais irrelevantes. Aproveite todos.
-
Um telefonema dos pais, um sorriso dos sobrinhos, uma gargalhada do
filho, um abraço do irmão, o canto de um pássaro, um beijo da avó ou um
simples “oi” da pessoa amada. Uma vitória do seu time, um passeio com
amigos, uma paquera correspondida, uma moeda achada, a chuva no calor e o
sol em pleno inverno. Uma barra de chocolate, um café bem quente de
manhã, um cinema de mãos dadas, acordar ao lado de quem você sempre quis
ou dormir “espalhado”, só você e feliz.
- Nunca esqueça, aproveite cada migalha e no final terá aproveitado o bolo todo.
Quando terminou, Zé se ergueu e foi embora. Andou até dobrar a esquina, sem olhar para trás.
Eu,
depois de tudo que ouvi, simplesmente não consegui falar mais nada.
Fiquei ali sentado, durante vários minutos, até me levantar como de
estalo.
Até
hoje, não sei se estava acordado ou sonhando naquela calçada. Duvido
muito que aquela pessoa, se existiu mesmo, soubesse de tudo aquilo. Um
mendigo culto daquele jeito. Mas, como cultura não tem nada haver com
sabedoria, quem sabe.
Bem,
sendo sonho ou realidade, mendigo ou não, uma lição aprendi naquela
manhã: “Aproveite cada migalha do caminho, assim terá aproveitado o bolo
todo no fim da jornada”.
Um comentário:
Un precioso relato que da para meditar. Enhorabuena.
Te te dejo un abrazo con mis mejores deseos en estas fiestas navideñas.
Se muy muy feliz.
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