segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

polícia para quem não precisa de polícia




a função precípua da polícia civil, ou polícia judiciária, é apurar as infrações penais, aqueles fatos - por 'fatos' entenda-se algo que já aconteceu - definidos por lei como crimes ou contravenções penais. logo, tal atribuição NÃO inclui:


01) apurar crimes que ainda não aconteceram. o crime ou contravenção tem quatro fases sequenciais: cogitação, preparação, execução e consumação. o candidato a meliante tem a ideia do crime, decide pô-la em prática, traça seu plano diabólico, inicia os preparos e parte para executá-lo. se bem-sucedido, o crime se consuma. caso contrário, responde pela tentativa. a lei brasileira pune o criminoso somente a partir dos atos de execução. portanto, não, a polícia não é obrigada a agir porque você acha que seu vizinho pode lhe ferir ou matar ou fazer qualquer mal a você porque ele, cujas feições lembram muito as do monstro do doutor frankenstein, olha para você de cara feia.



02) apurar crimes impossíveis. embora muitos - dentre os quais habitués da Serra da Beleza, Chapada dos Veadeiros e Chapada dos Guimarães, bem como assinantes da revista UFO e leitores de erich von daniken - possam discordar, não, a polícia não tem o dever de lhe proteger porque os alienígenas espalharam câmeras invisíveis por toda a sua casa e podem a qualquer momento lhe abduzir e fazer altos e excitantes experimentos sexuais com você enquanto deslizam pela via láctea.



03) dar susto. uma das não-atribuições mais requisitadas pela clientela, especialmente por vítimas de violência doméstica: "sabe, doutor, meu marido não é uma pessoa ruim. ele só fica violento quando bebe. e ele bebe todo dia. daí ele me bate. mas eu não quero prejudicar ele não. eu amo ele. só queria que a polícia desse um susto nele pra ver se ele para de me bater." não, minha senhora, lamentamos informar que a polícia não dá susto. embora seja certo que eles seriam de enorme valia à instituição, não, o conde drácula, o lobisomem, a múmia, darth vader, satan goss, gasparzinho e o fantasminha pluft não integram nossas fileiras. é até verdade que temos alguns colegas na casa que antes de descerem à terra entraram na fila da feiúra várias vezes, contudo, malgrado involuntariamente sirvam para provocar choro em bebês de colo e dispensem dedetização nos locais onde trabalham, assustar maridos agressores não faz parte do seu rol de atribuições.



04) apurar crime ou contravenção penal que não é crime nem contravenção penal. se a lei define isso ou aquilo ou aquiloutro como crime ou contravenção, então, sem a menor sombra de dúvida, isso, aquilo ou aquiloutro É crime ou contravenção. se não, não. a polícia judiciária não tem que intervir:
a) se você acreditou no garoto-propaganda da casas bahia quando ele, com aquele sorriso idiota, afirmou que você poderia pagar quanto quisesse naquela linda cozinha bartira;
b) se o farmacêutico estava caindo de bêbado mas ainda assim lhe vendeu o medicamento correto;
c) se a professora disse que seu filho - cuja maior nota foi um 2 em educação artística - tinha déficit de aprendizagem mas (embora até pudesse estar pensando) em nenhum momento o chamou de jumento;
d) se seu marido comeu aquela secretária loira que tem um litro de silicone em cada peito, usa sumários tubinhos, tem piercing do tipo penduricalho no umbigo e uma tatoo tribal logo acima do cofre;
e) se você contratou o canal sex gay mas a sky só disponibilizou o canal de putaria hétero;
f) se sua filha de 16 anos topou alegremente um gangbang com todo o time de futebol do colégio no vestiário do clube;
g) se você chegou em casa e flagrou sua mulher e três afrodescendentes que poderiam facilmente ser confundidos com seu guarda-roupas e cujas envergaduras somadas ultrapassavam fácil 70 centímetros, praticando sexo animal no seu leito de amor conjugal;
h) se sua vaidade masculina foi massageada pela possibilidade de aumentar seu bilau com a super-ultra-mega-sensacional bombinha big pênis, expectativa frustrada pela constatação de que aquela coisinha minúscula e ridícula, por mais que sua mão esteja dormente de tanto bombear, continua e continuará ridícula e minúscula;
i) se o morador do 701 soltou uma bufa fétida no elevador que quase levou você à lona quando houve aquele blecaute de 20 minutos;
j) se você ficou atônito e amedrontado quando soube na curimba que frequenta às sextas, por meio do relato fidedigno da dona maria padilha das sete encruzilhadas do rodoanel, que uma das amantes do seu marido fez um trabalho 'indesfazível' para costurar espiritualmente e para todo o sempre a sua linda e rechonchuda vulva;
k) se você, ao chegar da vernissagem ou do shopping, deparou-se, horrorizada, com o vira-latas pulguento do vizinho engatado e babando em cima de adriane, sua cadelinha poodle que para você é muito mais que uma simples cachorrinha, é sua filhinha querida super bem-tratada à base de ração inglesa e shampoo francês;
l) se o ogro sujo, cabeludo e tatuado que mora perto da sua casa não separa as latas vazias de cerveja das garrafas de pinga das guimbas de cigarro dos restos de comida quando joga fora o lixo;
m) se você todos os dias se vê forçado a escalar o morro mais alto de sua cidade para falar ao celular com sua mãe que mora em santo antão do horizonte infinito;
n) se você, bêbado como um gambá, foi implacavelmente sodomizado naquela bacanal em que topou participar;



não. definitivamente não. seu problema é enorme, gigantesco, um problemão, mas não é previsto nem definido como crime ou contravenção na lei penal brasileira, logo, não é caso para a polícia. o policial pode se compadecer e até mesmo sentir ganas de fazer algo para tentar resolver sua questão, mas ele sabe que não pode fazer isso. tomar para si o encargo de outro funcionário público é usurpação de função pública e isso é crime. mas não fique aí parado, reclamando que ninguém faz nada para ajudá-lo. o chapolim colorado não vai aparecer e chamar os bons para seguí-lo. informe-se e procure o órgão nas esferas administrativa, civil, órgãos de classe, o judiciário, o batman, o justiceiro, etc., busque quem tem a atribuição, o dever de ouvir sua reclamação e tomar providências no afã de reparar a tremenda injustiça que você sofreu. pense também sobre a possibilidade de aceitar jesus, apagar a luz, usar brinco de cruz ou comer cuscuz, senhor(a) avestruz.



Carlos Cruz - 29/08/2013

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