sábado, 15 de fevereiro de 2014

A Reforma

Faltava apenas um ano para o ano 1000. As pessoas estavam apreensivas sobre o que viria: o fim do mundo? O Apocalipse? Águas ou fogo? O temor era geral e os Senhores viam seus ganhos nas vilas diminuirem. Foi quando o Senhor da Vila de Ginzburg decidiu chamar o Sábio para que o ajudasse. Há trinta anos aquele homem estava recolhido em sua morada fortificada, desde que voltara das guerras contra os infiéis, estudando as ciências ocultas e o milagre da transmutação do vil metal em ouro. Adquirira muita sabedoria nesse período. Essa sabedoria, aplicada ao quotidiano dos aldeões de Guinzburg, era o que interessava ao senhor. Atendendo ao chamado, o Sábio largou seus livros e seu laboratório e foi ter com o povo. Ensinou os agricultores sobre as fases da lua e as conjunções planetárias. De repente, esses produziam verduras, legumes e frutos em maior quantidade e em tamanhos nunca antes vistos. Aos ferreiros ensinou as corretas práticas com os metais e a temperatura do fogo. Surgiam espadas e escudos mais fortes e mais brilhantes, em abundancia. Aos trabalhadores das guildas e ao povo em geral versou sobre a correta arte de guardar e estocar os bens. O Senhor impressionou-se: naquele Inverno, recolheu mais impostos do que em toda a história da vila e, ainda assim, o povo de Guinzburg era o mais rico da região. Foi quando o Burgomestre procurou o Cardeal. Ele era Burgomestre desde quando o seu pai, o Burgomestre anterior, partira para a morada celeste, e isso fora há muito, muito tempo. Falou sobre a chegada do milênio e sobre o Anticristo. Toda aquela “prosperidade” não seria um truque do Diabo para perder as almas dos aldeões? Ademais, quem era aquele homem para ensinarem-lhes novas formas de fazer as coisas? Seus pais, seus avós e bisavós e os que vieram antes deles já faziam o que faziam do seu jeito! Era assim e deveria continuar sendo. A mudança, afinal, era obra do Diabo. O Sábio acompanhou, atônito, a chegada de todo o povo reunido em sua busca. Do seu lugar na pira de toras, viu o rosto resignado e triste do Senhor em meio ao seu povo, sem nada poder fazer. Antes do fogo roubar-lhe a consciência, pensou em como é difícil transmutar o coração do homem em algo melhor, muito mais que mudar o vil metal em ouro.

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