segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O Preguiçoso

Seu Gláucio sempre fora taxado de preguiçoso. Primeiro por sua esposa, depois por suas duas filhas, e por fim por seus genros - o que foi a estopim para que seu Gláucio pedisse o divórcio, mesmo após trinta anos de casamento. Dona Mariângela aceitou de bom grado, e ficou decidido que eles venderiam o apartamento da praia, para o seu Gláucio morar em um apartamento menor na cidade, só que desta vez sozinho. Ele não queria ninguém por perto para chama-lo de preguiçoso; nem para atender a insistentes pedidos de dona Mariângela “faça isso, Gláucio, faça aquilo”.
Com o dinheiro da venda do imóvel da praia, seu Gláucio poderia escolher, enfim, um lugar para morar sozinho. Mas, com preguiça de ficar escolhendo apartamentos, ele preferiu investir o dinheiro ganho e alugar um apartamento de um quarto no bairro universitário. Assim sendo, ele poderia ver da janela de casa belas meninas indo e vindo para a universidade todos os dias. Até no próprio edifício seu Gláucio poderia ver garotas novinhas, na hora de levar o lixo para fora, por exemplo. Tudo montado para que ele tivesse seus últimos anos de vida em paz, sem dona Mariângela lhe pentelhando, ou mesmo as filhas, que agora estavam casadas. “Já dei o que tinha de dar à elas. Paguei comida, roupa, faculdade. Agora que elas têm seus maridos, que fiquem com eles!” Era o que seu Gláucio dizia quando algum parente telefonava para saber como ele estava.
Mas a nova rotina do seu Gláucio passou a ser motivo de preocupação para sua ex-esposa e filhas. Seu Gláucio, que nunca fora muito de sair de casa, raramente saía do apartamento: com uma TV de plasma de 51 polegadas e mais de 200 canais a cabo, seu Gláucio já dormia no sofá da sala, que ficava em frente a TV. Ali era o seu QG. Quando ele levantava, era para ir ao banheiro, ou para buscar comida nos armários ou na geladeira. Ah, ele também levantava do sofá para ir até a sacada, algo em torno de 1 metro e meio de distância, só para ver “suas meninas” no horário de entrada e saída da faculdade. Sua família começou a se preocupar quando seu Gláucio parou de atender o telefone; primeiro suas filhas acharam que ele estivesse saindo de casa, talvez até namorando um pouco; depois pensaram que ele não queria se levantar da cama ou do sofá por preguiça. A verdade só veio à tona quando as duas filhas, e mais a dona Mariângela, foram fazer uma visita surpresa para o seu Gláucio.
Já no corredor, ao se aproximarem da porta do apartamento, o cheiro de mofo ia crescendo a cada passo que elas se aproximavam. Após tocarem insistentemente na campainha, as mulheres ouviram um: “Já vai!”. Quando seu Gláucio abriu a porta, as filhas viram o pai barbudo, pela primeira vez na vida. Não uma barba simples, e sim uma barba branca e grossa, tapando metade do rosto do pai:
- Ah, são vocês... O que vocês querem? – indagou seu Gláucio da porta.
- Queremos entrar, pai. Que tal? – perguntou Luana, a mais nova.
- Já vou avisando: tá bagunçado. – e abriu caminho para as “suas ex-mulheres” entrarem.
Dona Mariângela entrou tapando o nariz, devido ao fedor. Luciana, a mais velha, estava de boca aberta com a bagunça: extratos bancários, sacolas de supermercado, farelos de comida, tudo atirado no chão. Luana, sempre a mais animada, tentava brincar com a situação:
- Bem, mãe, certamente o pai não arrumou outra ainda. Não há vestígios de que uma mulher tenha passado por aqui.
- Não me importo com isso. Me importo com sua saúde, Gláucio! Isso é jeito de viver, homem?
- Me separei de você para não ouvir isso. Trata já de mudar de assunto...
Mas antes que uma nova discussão se iniciasse, as filhas apaziguaram os ânimos, para que não houvesse briga. Por uns quinze minutos elas ficaram lá, para ver o pai e sua decadência como homem. A maior decepção foi saber que seu Gláucio tinha um telefone sem fio, com bina, que ficava ao lado dele o tempo todo, e ele não havia atendido sequer uma ligação das filhas. Mesmo após a frustrante visita, Luana se propôs a visitar o pai, ao menos uma vez por mês. Luciana disse que precisaria de mais tempo para se refazer do baque, então sua visita seria trimestral. Já dona Mariângela lembrou-se da frase que ela mais falou para o marido ao longo da vida, frase esta repetida aos milhões: “Êta homem preguiçoso!”

3 comentários:

Shirley Brunelli disse...

Perfeito, muito bem redigido.
Mas, essa situação acontece com muita frequência, infelizmente.
Beijo!

André Bortolon disse...

Obrigado, Shirley! Um abraço;

Unknown disse...

Se livro de uma mulher que só o explorava
nem se em toda a sua vida não fez um convite para uma viagem e quando ele saia nunca quiz acompanhar.
Está feliz, dorme como gosta e fax de sua vida que acha melhor.
Isso não é ser preguiçoso, é não gostar de ser mandado.
Viva o seu Gláucio!!!! Viva a vida!!!! Sem preocupação