Depois
de uns dias afastado do BdE (por conta da greve dos caminhoneiros, acabei
ficando quase uma semana preso na estrada. Explico: para conseguir ir de graça de
Cabrobó do Mato para Cachimbó do Aterro, onde desfrutaria das delícias locais,
peguei uma “carona não autorizada” na caçamba de um caminhão. Como estavam
barrando todos, acabamos retidos entre o nada e o lugar nenhum, em algum
quilômetro perdido da BR 153. Ainda bem que era um caminhão de secos e molhados
e que achei um carregamento de whisky falsificado que me ajudou a passar o
tempo. A paciência devia mesmo ser engarrafada), eis que retornava tranquilo
para o Bar do Escritor, quando topei com uma turba reunida na porta do local. Faixas,
carros de som e tudo o mais que se pode pensar em um protesto desses.
Havia
uma equipe de tevê com uma repórter gostosa, digo famosa, anotando tudo em um
bloquinho. Aproveitei para inteirar-me do que ocorria.
Eu,
fingindo de bobo ─ Que tá rolando?
Ela,
meio distante ─ É uma manifestação da CUF.
Eu,
fingindo interesse no assunto ─ E o que as centrais sindicais têm a ver com o
botequim?
Ela,
ainda olhando para o lado ─ Em tese, tudo. Bares são lugares perfeitos para
discussões políticas, sindicais, trabalhadoras e afins. Mas esses caras aí não
são de nenhum sindicato fodão não. São da Central Única dos Fakes.
Eu,
querendo ser blasé ─ Ah, tá...
Ela,
tentando disfarçar a miopia sem óculos ─ Peraí, tô te reconhecendo ─ Fiquei
feliz pacas, afinal, ser reconhecido pela famosa, digo, gostosa da tevê não é
para qualquer um. Vai que rola alguma coisa... ─ Você é o Pablo Treuffar, o
cara que reorganizou o Bar!
Eu,
avexado, querendo mandar a real ─ Olha, na verdade, sou o...
Ela,
excitada ─ Faço qualquer coisa por uma exclusiva contigo!
O
sinal ficou verde na hora. Putz, Vanessa Fadinha, a jornalista mais peituda (no
sentido corajoso da palavra) e gata da telinha sujeitando-se a “qualquer coisa”
comigo mesmo pensando que eu era outra pessoa? Não sabia que ela era uma Treuffete, mas se deixasse passar essa,
nem o Pablito iria me perdoar.
Eu,
na pilha ─ Aê, gata, prá tu, é “exxxclusiva e demorada”, valeu? (mandei ver no carioquês que andei aprendendo
nestes cinco anos de Flip; afinal, a zorra de meio de ano havia servido para
alguma coisa).
Ela,
glamorosa ─ Maravilha, então, por onde começamos, Treuffar?
Ao
ouvirem o nome do bastado-mor de Ipanema, uma avalanche de fakes partiu para
cima da gente, afastando-me da delícia em forma de notícia.
Fake 1 ─ Todo
poder aos fakes!
Fake 2 ─ Os
fakes, unidos, serão sempre os mais escritos!
Fakes reunidos ─
Fake é bom, fake é lindo, fake escrevendo é fake divertindo!
Tentei organizar
a parada, mas lembrei que organização não é um dos fortes do lugar.
Eu, foda ─ Aê,
cambada! Vamo baixando a bolinha! Deixa ver o que tá rolando nessa bagaça
primeiro!
Reuniu-se então
um grupo para representar os fakes (que na verdade foram criados para representarem
os outros, mas vá lá...).
Fake 1 ─ Mas
peraí, tu não é o...
Eu, fodão ─ A
parada não é sobre fakes? Então, no momento “estou” Treuffar. ─ E apontei a
gostosa.
Fakes reunidos,
sacando a dica ─ Ah, tá...
Eu, mais fodão
ainda ─ Então, o que tá pegando?
Fakes reunidos ─
Bom, é que desde que o Bar do Escritor voltou, nós, os fakes, também voltamos.
Eu, fodíssimo,
voz de Clint Eastwood ─ Sei e daí?
Fakeaiada ─ Daí
que estamos com medo de que aconteça aqui o que aconteceu no BdE pré-histérico,
de deletarem todos da noite para o dia.
Vanessa Fadinha ─
Pré-histórico.
Eu, didático ─ Não,
é histérico mesmo; naquela época rolou tanto barraco que fomos obrigados a
deletar todos os fakes.
Ela, daquele
jeito ─ Ah, tá...
Eu, pica das
galáxias ─ A parada é a seguinte: o Bar é um espaço aberto a todos que queiram
manda ver nas letras, tanto faz se de cara limpa ou mandando por fake; a bem da
verdade, atrás de todo fake tem que ter alguém, daí que são corresponsáveis um
pelo outro, sacaram? Desde que estejamos produzindo, comentando e mandando ver
nas escritas, estaremos fazendo justamente aquilo a que o Bar do Escritor,
desde os primórdios tempos do Orkut (quando nasceu da iniciativa e ressaca do
Giovani Iemini) se dedica com afinco: Uma mesa de bar onde
escritores famosos, anônimos, publicados, impublicados e impublicáveis trocam
impressões sobre Literatura e afins. Pode falar mal? PODE! Pode usar palavrão? Puta
que Pariu, Claro que pode! Pode xingar? Tirando a mãe, pode! Um boteco
das letras!
A turba explodiu
em palmas, aquilo fez com que ficasse mais atacado:
Eu, tirando onda
de político ─ A arte da fakearia é muito antiga, vinda de muito antes do mundo virtual;
entrelaça-se com a ordem dos pseudônimos, estes seres espetaculares que tanto
já ajudaram escritores nas mais diversas eras da escrita. Tomás Antônio Gonzaga,
para citar um exemplo, pode-se transvestir-se de “Critilo” para poder elaborar
suas Cartas Chilenas; Samuel Langhorne Clemens pode levar uma vida sossegada,
enquanto “Mark Twain” aprontava; “George Orwell” criticou meio mundo,
representando o pacato Eric Arthur Blair; Porra, Fernando Pessoa foi ainda além
e chegou a criar não só um, mas três heterônimos famosos: “Ricardo Reis”, “Álvaro
de Campos” e “Alberto Caieiro”. Enfim, meus amigos, o problema não é se passar
por outro personagem, mas o que este personagem faz, o que ele tem a dizer,
para quê tê-lo. Tenho visto muita coisa boa ser feita por esta nova e
interessante safra de fakes que habitam o reformulado botequim; textos
primorosos, outros bem trabalhados e outros que fariam com que os músculos de
minhoca ficassem com uma inveja lascada. Mas o importante é produzir, criar,
tratar novos modelos de escrita, de interação literária e crescimento
estilístico!
A massa pipocava
igual carnaval na Bahia. Tivesse eleições agora dava até para descolar uma
boquinha de vereador, quem sabe até deputado... Nisso lembrei que a gata ainda
estava ali, de bobeira. Ia mandar a
letra quando um baixinho com maneiras esquisitas intrometeu-se, atrapalhando
mais uma investida:
Baixinho com maneiras
esquisitas ─ Aê, cês vão ter que
desocupar o logradouro.
O engraçado é
que podia jurar que ele estava sendo dublado.
Eu, invocado ─ E
quem é você, cara-pálida?
Baixinho com maneiras
ainda mais esquisitas ─ Alvarenga Peixoto, agente de fiscalização de fakes, pseudônimos,
heterônimos, praças, ruas e logradouros.
Vanessa Fadinha,
curiosa ─ O que tem a ver os fakes e afins com praças e ruas?
Alvarenga Peixoto,
voz de Hardy HarHar, suspirando ─ Ó, vida, ó azar: corte de verbas, misturaram
os departamentos e deu nisso, de virar babá de fake maluco.
Eu, empombando ─
Ô, meia-sola, não vai rolar de liberar a via não, parceiro: gastei o maior
latim para fazer essa galera acalmar. Deixa eles tomarem uns goles primeiro,
caramba.
Alvarenga
Peixoto, suspiro ─ Então serei obrigado a usar a força.
Eu,
defenestrador de impérios ─ Você e qual exército, gnomo?
Alvarenga Peixoto
─ Dois batalhões do Choque respondem sua pergunta?
Eu, conjugando o
verbo amarelar ─ Queisso, cara. A gente é da paz, mano.
Alvarenga
Peixoto, puxando o bloco ─ Já esperava por isso. Então, agora é a hora em que terei
que deixar algumas pequenas autuações com vocês...
Eu, reencontrando
um dos colhões ─ Peraí, devagar com a passarela; tu tá falando de multar o Bar
do Escritor?
Alvarenga, didático
─ Na verdade, um responsável serve.
Eu, pensativo ─
Responsável? Difícil cê achar isso por aqui, chapa.
Alvarenga,
solícito ─ Comecemos pela chefia: cadê o senhor Iemini?
Eu,
tranquilizando ─ Cara, o Giovani ganhou um disco do Leonard Cohen, ouviu tanto
que decidiu passar um tempo no Nepal, tirando onda de monge, sacou?
Alvarenga, calmo
─ Wilson R?
Eu, mais calmo ─ Tá em missão na Bósnia Herzegovina; coisa de
academia...
Alvarenga,
apontando ─ Então terá que ser o senhor mesmo, Seu Treuffar.
Eu, tentando
escapar do olhar da gata, no salgado momento da verdade ─ ...
Alvarenga,
inquiridor ─ Não entendi, senhor.
Eu, eloquente ─ Não
sou o Treuffar.
Alvarenga
Peixoto, anasalando ─ De qualquer forma, terei que autuá-lo senhor. Há uma
série de irregularidades aqui: excesso de fakes atrapalhando a via pública; auto
prosa lotada de referências ao BdE e o pior, uma série de auto ironias não
autorizadas.
Eu, no mato sem
cachorro ─ Queisso, chefia! Somos o grupo mais auto irônico do pedaço. Temos
até autorização para isso.
Alvarenga
Peixoto, impassível ─ Negativo, essa primazia é dos judeus. Igual àquela piada:
─
E aí, Jacó. Como vai?
–
Vou muito mal!
–
Mas o que foi que aconteceu?
–
Minha mãe morreu.
–
Não me diga! Meus sentimentos. E o que é que a sua mãe tinha?
–
Infelizmente, pouca coisa. Uma casa, duas lojinhas no centro da cidade e um
terreninho no interior.
Alvarenga Peixoto, assinalando a vitória ─ Então,
faço a multa em nome de quem?
Agora eu tava ferrado. Se entregava quem era, não pegava a
gata; se me deduro a mim mesmo, auto alcaguetando-me, tomava uma puta multa. A
solução veio na forma de uma assistente de direção, dessas que se vê aos montes
nos estúdios, chegando correndo com um descafeinado e duas rosquinhas:
Assistente, coadjuvando ─ Mister Allen, sorry sir, but could
not find pretzels[1]!
Foi aí que me dei conta que havia um cara atrás do tal mister:
Eu, acabando de achar o outro colhão ─ Mas, que merda é essa?
Saiu um fulaninho ainda mais mirrado, detrás do outro, com
exatamente a mesma voz.
Fulaninho mirrado ─ Er... Hehe. Sou o dublador oficial dele.
Foi aí que saquei tudo. Bem que devia ter desconfiado daqueles
óculos de Groucho Marxs que o tal fiscal tava usando.
Eu, poliglota ─ Deveria saber que em se tratando
de peseudônimos e afins você com certeza apareceria, Mister Allen Steward Konigsberg, ou melhor dizendo,
Woody Allen!
Woody, novamente
dublado ─ Hehehe, tava por aqui, procurando umas locações novas, quando fiquei
sabendo dessa manifestação de fakes, resolvi dar uma passadinha e fazer um
laboratório para um próximo filme.
Vanessa Fadinha,
saltando para o lado do gringo ─ Ai, Woody, sou louca por uma exclusiva
contigo!
Woody, que não é
bobo nem nada ─ Só se for agora, baby.
Eu, tentando
salvar o Titanic ─ Pô, Fadinha, e nossa exclusiva?
Vanessa Fadinha,
contabilizando ─ Aí, tu tem apartamento em Ipanema?
Eu, na pendura ─
Não.
Vanessa Fadinha,
aumentando o estrago ─ É presidente de academia?
Eu, minguando ─
Também não.
Vanessa Fadinha,
mandando um mata-leão ─ É diretor de cinema reconhecido mundialmente?
Eu, pegando a
toalha ─ Negativo.
Vanessa Fadinha,
mandando o fatality ─ Então, querido, porque ia querer alguma coisa você?
Eu, cara do
coyote do Papaléguas ─ Pena?
Uma limosine sinistra abriu caminho
entre a multidão de fakes, pegou todo o staff do gringo, que saiu com a
maior-delícia-do-pedaço a tiracolo. E eu ali, babando vontades...
Fakeaiada ─ E agora, o que faremos?
Eu, anotando mais um prejuízo na
carteira ─ O que fazemos sempre: vamos tomar um porre e escrever. Quando
estiver bêbado o suficiente, decido se monto a Igreja Espacial ou também vou
para o Nepal, tirar onda de monge kaoísta...
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