quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Se Essa Porra não Mudar, Olê Olê Olá...

Cássio tem 14 anos. Como todo adolescente, já se sente um pouco adulto. Não só pelo tamanho – já ultrapassou o pai em 3 centímetros – mas, porque também está descobrindo coisas de adulto. Cássio é, acima de tudo, um adolescente ‘cabeça’. Certamente um garoto especial. Assistindo da sacada de seu apartamento aos protestos do último domingo, foi que ele bateu este papo com o seu Valdir, seu pai:
- Pai?
- Fala filhão. O que manda?
- Você não protestou nenhuma vez, desde aquela vez do aumento das passagens de ônibus. Por quê?
- Não, não... não tenho saco para esse tipo de coisa, filho...
- Mas, pai – Cássio olhou nos olhos de seu velho – Você não fala sempre que esse país é uma bagunça? Que nada funciona direito?
- Hum...
- Você não acha que o protesto é um bom jeito de reclamar do que está ruim?
- É sim, filho. É uma forma de o povo se expressar sobre o que não está agradando mais. Você tem razão, moleque.
- Então por que você nunca foi a nenhum?
- Hum... – seu Valdir deu uma pensada, talvez tentando achar argumentos não tão radicais. Afinal, não queria desmotivar o filho com pensamentos negativos. Após titubear um pouco, enquanto Cássio ficava impassível aguardando uma resposta de seu velho, seu Valdir disse:
- Olha, filhão. Eu já não acredito mais que essa joça possa mudar. Por isso não vou. Prefiro fazer qualquer outra coisa do que gastar minha energia num protesto que... que... não dá em nada filhão.
- Mas, pai, parece que a Dilma vai sair. Querem o impeachment dela, não é?
- OK. Mas ainda assim não vai mudar porcaria nenhuma. Sai uma bandida, entra outro. Ou outra, sei lá.
- Mas... – Cássio mostrava esperança em sua fala – ...se muda quem está roubando, quem entrar vai se tocar de que o povo não quer mais roubo e patifaria no governo...
- Olha Cássio, acho que não. Não quero parecer um negativo de carteirinha. Acho legal que você acredite, viu?
- Mas...?
- Bem, faça a seguinte analogia meu filho: digamos que sou chamado para trabalhar em uma nova empresa. Meus objetivos são os melhores, você me conhece: trabalhar certinho, se possível não faltar, trazer conforto e qualidade de vida para você e sua mãe, não fazer nada de errado no serviço... Mas, supondo que eu não saiba que na verdade esta empresa em questão não passa de uma quadrilha de bandidos. Que os diretores, gerentes, supervisores, todos nos melhores cargos são preenchidos por pessoas do mal; que esta empresa, por conseguinte, faz o mal a outras pessoas, seja roubando, mentindo, coagindo...
- Bem, você sairia na hora pai, sem dúvida.
- Justo, Cássio. Mas, suponha que eu continue lá e permaneça trabalhando com esses caras ruins. O que você acha que ia acontecer?
- Olha pai... Acho que eles iam tocar um terror para cima de ti, e você ia ter que fazer o que eles te mandassem fazer. Se você fosse contra eles, iria se dar mal.
- Perfeito. Eu teria que consentir com os crimes que esta empresa comete. Teria que ficar de bico calado, e provavelmente passaria a agir como eles, me tornando um homem mal também.
- É... – agora Cássio tinha um olhar meditativo.
- E se, por alguma razão os mais afetados por essa empresa, no caso, os consumidores do produto que ela oferece, saíssem para protestar e botassem a boca no trombone, você acha que os bandidos que a comandam sairiam numa boa de lá?
- Eles iriam aos seus advogados perguntar o que fazer.
- Na mosca filho. E com dinheiro pesado, eles contratariam bons advogados, certo?
- Os melhores, eu acho.
- Sem dúvida. E, se por um acaso eu lhe disser que a chamada LEI, que deveria em teoria ser imparcial, FAVORECE as empresas, muito devido ao dinheiro que elas movimentam ao longo do ano, você acreditaria?
- Sim, pai. Do pouco que eu sei, o dinheiro manda.
- Então, num possível imbróglio judicial, quem se daria melhor: a empresa multimilionária e poderosa, regida por mentecaptos, ou o povo afetado pelos produtos desta empresa?
Cássio sorriu esta hora. Olhou para a rua, lotada de gente, bandeiras, buzinassos e faixas, e disse para o seu Valdir:
- Ah pai... Deixa eles sonhar, deixa. É tão bom acreditar em algo... mesmo que esse ‘algo’ seja impossível... Ainda assim a sensação é boa, certo pai?
- Certo, meu garoto. Agora vem cá dar um abraço no seu velho, vem!
Pai e filho se abraçaram na sacada, por quase um minuto. Aí entraram no apartamento e foram ver uma comédia besteirol americana no Netflix.

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