segunda-feira, 7 de maio de 2007

APENAS MAIS UMA ESTÓRIA ROMÂNTICA



Em um desses "agitos" da madrugada, Jéssica já sentia que havia se excedido na bebida. Afinal, misturara um sem-fim de drinks, de cores variadas, de taças variadas, de várias bebidas. Na verdade, ela sabia apenas que bebera muito. O que bebera...? Só um médico legista poderia decifrar.
A alquimia multi colorida já iniciava as suas conseqüências. O estômago parecia uma lava-roupas manca. Dando voltas e pulinhos, não necessariamente nesta ordem. Inevitável foi à ida ao banheiro, onde grande parte do que constava de sua boleta-de-consumo, foi embora contribuir com a poluição de rios e mares pelo mundo afora.
Sua cabeça rodava, e ela se perguntava o porquê daquilo...
Na mesma hora, Arlindo terminava uma dissertação, que defenderia ao final do Doutorado, onde sustentava a tese de que havia dicotomia entre "Amores necessários X Amores contingentes". Filósofo iniciante engendrou-se na complexa relação entre Simone e Sartre, buscando, quiçá, entender-se.
Ele conhecera Jéssica, coincidentemente, ao tempo em que estas mesmas idéias lhe haviam arrebatado a mente. A confusa explicação de amor racional "saltou" das páginas amareladas da biblioteca, indo parar bem em meio àquele encontro nos corredores da Universidade. Ele vinha de um lado, carregado de livros e cópias. Ela vinha do outro, carregada de convites da Festa Universitária, que aconteceria dentro de poucos dias.
Claro que dois corpos caminhando em um mesmo sentido, sob direção contrária, sempre se encontram. A Física Clássica chama isso de interseção de vetores. E , eles se encontraram...
Jéssica, num movimento automático, deu a Arlindo um sorriso de dentes perfeitos, acompanhado do gesto clássico de uma "Casual Promoter", oferecendo um dos inúmeros convites "encalhados" da tal festinha. Arlindo, por sua vez, inapto a receber o papelzinho, já que tinha as mãos irrecorrivelmente ocupadas, pediu que lhe fosse colocado, o convite, no bolso de sua camisa, coerente e convenientemente costurada no lado esquerdo. E, como numa dessas cenas típicas do Cinema do Norte, agradeceram ao mesmo tempo, no mesmo instante em que cada par de olhos encontrou o outro. Um frêmito percorreu cada um deles.
Nos dias que se seguiram, eles não pensavam em outra coisa. E, por conta de não terem trocado nº de telefones, não puderam, sequer, saber se um e se o outro iria, mesmo, ao evento.
Torturaram-se por dias. E, ambos, apareceram pontualmente na entrada do Salão, caprichados em roupas, perfumes e brilho.
A festa...? Normal. Como, aliás, toda festa desse tipo. Jéssica, inclusive, ganhou o ursinho-de-pelúcia sorteado no fim.
Voltaram juntos. De mãos dadas. Uma radiola, de um dos botecos da rua, tocava "As time Goes by". A neblina baixa ajudava a cena. Beijaram-se. Dois pares de mãos percorríam cada corpo. A volúpia crescia, na mesma intensidade em que o desejo de um, e do outro, fazia com que suas consciências se anestesiassem. E, assim, no meio da rua, bailaram a dança do acasalamento do Louva-Deus. Transaram ali mesmo. E, incontroláveis, pouco se importaram com os olhares assustados dos que passavam por ali. Arlindo parecia possuído por uma fome inabalável, de tal forma, que não percebia as mordidas que Jéssica lhe desferia, arrancando nacos de suas bochechas e orelhas. Sangue, suor e saliva misturavam-se. E, ao se aproximarem do orgasmo, misturavam sons que ora pareciam de dor, ora de prazer.
Gozaram. No mesmo instante em que eram algemados pelos policiais, chamados pela platéia , que , embora fizesse caras e bocas de reprovação, exultava intimamente com cada instante observado.
Arlindo foi direto para a Emergência do Hospital, muito ferido pelas mordidas desferidas. Jéssica aguardou-o no Distrito, detida.
A lesão corporal não foi lavrada. Arlindo não tinha interesse na queixa. "Assinaram" um Atentado Violento ao Pudor, coisa que, facilmente, seria resolvida com a doação de algumas Cestas-Básicas.
Voltaram juntos. E foram dormir. Separados. Cada um em sua casa.
Nunca mais se viram.
Jéssica casou-se com um próspero Empresário. Foi morar na área nobre da cidade, bem distante do Campus Universitário. Saía, eventualmente com as amigas; caçava emoções em surdina. Como ontem, mesmo. Aquele porre. Lembram...?
Arlindo casou-se também. Professor, preferira morar nas adjacências da Universidade, onde além das aulas, ficava perto de suas alunas, recém ingressas no curso de Filosofia. Escrevia suas impressões, logo após experimentá-las in loco.
E assim, ambos, viveram felizes para sempre. Amando necessariamente seus pares, mesmo nas contingências de seus desejos.
E assim terminou mais uma estória romântica; humana. Uma estória de bichos humanos; primos-irmãos de todos os outro bichos do Planeta. Uma estória comum. Sem final feliz. Sem finalidade alguma, além de me lembrar de Sartre e Simone. Ou de Simone e Sartre... Por que não...?



Foto in Simone e Sartre passeando em Copacabana, no Rio de Janeiro, em setembro de 1960

12 comentários:

Anônimo disse...

Sinceramente, Eduardo.. Fico fascinada pelas reviravoltas que seus contos dão!

Beijos

Anônimo disse...

tbm vou de anônima. PERFEITO!
Ouvi dizer que Sartre reencarnou.Vc sabe de algo nesse sentido?

MPadilha disse...

Eu vou de Me mesmo, com coragem e cara, para dizer que esse moço tá melhor do que nunca. Edu, meu lindo, vc foi feliz na escolha e inspiração. Meu beijo mais molhado pra ti, saudade.

Klotz disse...

Se Nelson Rodrigues ainda escrevesse nos jornais teríamos algo assim:
Volúpia da promotora arranca nacos da bochecha do filósofo em madrugada de sexo na calçada sob olhares de platéia embasbacada.
Adorei estes trechos.

Lameque disse...

Românticos até a primeira dentada. Incompatíveis foram viver felizes para sempre um bem longe do outro.

Arnaldo não aprendeu nada com sua tese sobre o estranho amor de Jean-Paul e Simome.

"Amor de louva-deus" e encontro ao som de "As times Goes By", são dois achados.

Um história perfeita do começo ao fim.

- disse...

Ficou bem legal a história e bem escrito, porém sem novidades no mundo atual. Acho que essas histórias acontecem demais no dia-a-dia.

Anônimo disse...

Deliciosa narrativa filosófico-psicanalítica bem ao estilo de quem realmente conhece dos dois assuntos.
Mas já percebi a recorrência dos nomes próprios Arlindo E Jéssica como se,estes,significassem algo de Autobiográfico do autor ( por sinal uma fera).
Aguardo os próximos contos com uma expectativa só igualada ao prazer de ler esses trabalhos.

Abs. Douglas Viera

Deveras disse...

"Felizes para sempre, cada um na sua, mas com alguma coisa em comum", mistura de vida real, propaganda de cigarros e final de conto de fadas. É como disse alguém em um conto afora: a última fada madrinha morreu vítima de uma bala perdida.

Eis Dom Perrone, mandando ver nos belos amores casuais, histórias de amor com duração de uma noite só. O mundo afinal...

ficanapaz!

Anônimo disse...

Ouso me dizer especialista em Sartre. E estou impressionada, com a concatenação de imagens afins ao universo de Sartre e Simone. Lí que vc é engenheiro. Filósofo também? Gostaria de usar este texto para aulas, se me permitir, e com as devidas referências de autoria.
Caso concorde, por favor, autorize-me pelo mail larassfil@unicamp.org.br

Lara Sayão

Anônimo disse...

Meninooooooooooo!!!!!!!
Tem horas que te acho louco, tem horas que te acho normal, tem horas que me emociono e tem outras em que me espanto. Mas vc SEMPRE me surpreende, como agora que parece que a cena foi real e que vc ficou sentado observando e anotando tudo.
Palmas!!!!

Beth

Larissa Marques - LM@rq disse...

Sou fã de incondicional de Sartre, de Simone de Beauvoir e de Eduardo Perrone! O que é isso? Gostei. Beijo grande!

Giovani Iemini disse...

edu,
veja:"Assinaram" um Atentado Violento ao Pudor, coisa que, facilmente, seria resolvida com a doação de algumas Cestas-Básicas.
"
atentado VIOLENTO ao pudor é estuprar o cu de alguém. atentado ao pudor é ficar pelado em público, ou transar na rua.
hehehe