Nas brincadeiras infantis das décadas de 70 e 80 era a prenda mais temida. Qualquer erro, a mínima derrota, o reles tropeço já era motivo para a punição:
- Imita a Gretchen! – Gritava a molecada.
E lá ia o infeliz rebolar e cantar “conga la conga” na frente da trupe. Nas mais ferozes, o dançarino ainda tinha que colocar as mãos na cabeça e as esfregar pelo corpo, num contorcionismo pretensamente sensual.
Até as meninas eram obrigadas a imitar a Gretchen, deixando claro que era também ridículo para elas a atuação.
Ninguém gostava de imitar a Gretchen. Ninguém gostava da Gretchen. Mas ela estava lá, na tv, para todo mundo ver e ouvir. Qual o interesse do público em um artista como ela, evidentemente má cantora e notadamente feia? O que se acrescia às artes expondo a bunda da moça? Obviamente nada, porém os empresários que a cercavam conseguiram muito crédito vendendo um produto de qualidade inexistente a um público ávido por consumir a arte nacional.
As manipulações mercantis garantiram à Gretchen e seus promotores uma boa féria, restando à cultura o lixo passageiro, afinal, suas músicas não resistiram nem à próxima estação. Ao povo sobrou a brincadeira: - Imita a Gretchen!
Porém, o conceito permanece. Não bastassem as carlas peres, sheilas e rouges (estas não rebolavam mas eram também estranhas), até hoje convivemos com a imposição dos gostos dos donos dos meios de comunicação. Ainda somos bombardeados a consumir produtos que não temos a mínima proximidade. Exemplo: fórmula 1.Alguém conhece pessoalmente algum piloto profissional de automobilismo? Participa de algum campeonato de corridas de carro? Gosta realmente de correr a 300 km/h?
Mesmo que as 3 respostas sejam positivas, ainda há a principal: por que gosta mais de fórmula 1 do que da fórmula indi, sendo esta muito mais competitiva, interessante, organizada e segura?
A resposta aparece quase todo domingo na tv Globo, na forma de uma efusiva competição entre... empresas automobilísticas milionárias e pilotos filhinhos ricos de papais playboys? Quem, cônscio e opinativo, apreciaria isso? Certamente se o espectador nunca tivesse contato com tal competição, ao assisti-la pela primeira vez, a estranhasse como se hoje visse a pitoresca corrida de “perseguição ao queijo morro abaixo” que acontece na Europa.
Somos tristes cordeiros conduzidos coercitivamente em direção dos interesses da indústria cultural, e como toda indústria sua meta é o lucro e não a responsabilidade social, ou qualquer outro conceito que exima algumas pessoas de escolher por todas as outras.
Há escapatória? Sim, a internerd (mas isso é outro assunto).No último domingo eu apareceria numa matéria sobre literatura. Coincidiu de ser exatamente no momento da chegada numa corrida. Mudei o canal e a turba chiou – estávamos na casa de um tio. Falei que eu iria aparecer na tv.
- Mas eu quero ver a corrida. – Reclamou o Darse, velho amigo de meu pai.
- Espere um pouco... – Pedi. – Eu vou aparecer.
- A corrida. – Esbravejou.
- Tá. – Olhei para ele. – Mas antes imita a Gretchen. Ele não entendeu. E eu também não tive paciência de explicar, afinal, ele gostava de fórmula 1 e provavelmente imitava o equivalente da Gretchen de seu tempo. A Vanusa, talvez.
11 comentários:
Eu já imitei muito a Gretchen ;)
Boa crônica, mão branca.
Ontem à noite separados por duas tulipas de chope conversamos sobre o assunto.
Por conta da propaganda maciça pessoas consomem aquilo que é colocado na vitrine.
As pessoas não se dão conta que estão sendo manipuladas e consomem, consomem e consomem. Não questionamos se o filme é bom ou não. Apesar do carro estar bom precisamos de outro que permita subir montanhas enlameadas. Devemos usar a camisa igual ao ator da novela para tomar cerveja e engolir a boazuda.
Salte do trem da propaganda. Faça seu caminho e pilote seu gosto.
É Gigio, quantas cervejas ainda temos que tomar antes de endireitar o mundo.
Ficou punk a crônica... Agora, se todo papo filosófico for regado com chopp, melhora sensivelmente (pelo menos quando estamos bêbados não conseguimos pronunciar Ni...Ni... Nieztche, ic!
Eu não tomei chop com vcs, mas espero ter acertado na sintonia do papo e, dessa forma peculiar, participado.Quando li essa crônica, alguma coisa me dizia que era ela, por afinidade de idéias talvez, era ela. Muito boa.
Ah...esqueci de me apresentar: Meu amigo, Domitila é sua amiga Me Morte em seu novo perfil. Foi minha homenagem a Marquesa de Santos que adoro. Beijos parceiro.
Concordo plenamente.
é do conga la conga pra baixo
"Qual o interesse do público em um artista como ela, evidentemente má cantora e notadamente feia?"
Na minha época de adolescente espinhento e punheteiro responderia: a bunda.
Gosto de F1, mas troquei de canal para assisitir a matéria do Bar...
Ceramente que somos manipulados midiaticamente, em todos os instantes.
Nunca dancei La Conga.
boa crônica, apesar de um tanto revoltada.
Li. E gostei muito! Parabéns, Gigio, é sempe bom ler tapas na cara para acordar a turba.
O engraçado é que esse universo de F1, nunca entendi isso, como passava na globo. Alguém realmente assistia àquilo?! Só em anos recentes realmente conheci quem gostasse, e já coleciono três pessoas. Contaria quatro se considerasse o pai de uma amiga minha, falecido, que ouvi dizer chorou a morte de Sena. Mas na época aquilo pouco significou para mim; só lembro porque puxei da memória agora.
Parabéns mesmo. A história nos mostra que o tempo é uma avalanche de futilidades. Mas sobreviveremos - e, se morrermos, vale o consolo de termos escolhido morrer lutando contra esse turbilhão euforicamente triste, ao invés de viver sendo levados pelas suas correntes degenerativas...
Avante!
Ah, para editar: carla pereZ, com Z. E una a última fala com a fala acima, é tudo a mesma seqüência, né? :-)
gostado.
Anda escrevendo bem... apesar de que em certos pontos entra-se na idéia de q gosto é gosto e ponto final...
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