Por Thomás - Thorpo
Já tinha 10 anos e achava uma injustiça não poder folhear os livros da biblioteca do avô. Sempre que ia tirar algum da estante, levava bronca de um dos adultos da casa. O que poderia haver ali naquelas páginas de tão perigoso para provocar tal proibição? Seja lá o que fosse, ele iria descobrir. Alzira, a empregada, estava preparando o jantar na cozinha, o avô cochilava em sua poltrona na sala, os pais ainda não tinham chegado do trabalho, nenhum adulto poderia impedi-lo de desvendar o que tanto escondiam dele. Subiu em uma cadeira (o que tornava tudo mais proibido e interessante, já que sua mãe sempre ficava muito brava quando ele fazia isso. Ela dizia que ia estragar o tal do veludo) e alcançou um dos volumes. Abriu em uma página qualquer, que o atraiu imediatamente por apresentar estatísticas, coisa que ele acabara de aprender com a professora particular, e começou a ler:
"Segundo o relatório do Desenvolvimento do Banco Mundial de 1995, o conjunto de países pobres, onde vive 85,2% da população mundial, detém apenas 21,5% do rendimento mundial, enquanto o conjunto dos países ricos, com 14,8% da população mundial, detém 78,5% do rendimento mundial" (...)
As pequenas mãos foram ficando suadas. Ele não conseguia acreditar no que estava lendo. Precisou reler três ou quatro vezes para ter certeza de que não havia confundido os números. Ligeiramente ofegante resolveu continuar a leitura:
"Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano do PNUD relativo a 1999, os 20% da população mundial a viver nos países ricos detinham, em 1997, 86% do produto bruto mundial, enquanto os 20% mais pobres detinham apenas 1%"
Tremendo, cheio de asco e pavor, fechou o maldito livro e o colocou de volta na estante. Então era isso! Esse era o segredo que escondiam dele. Olhou para os móveis imponentes, para o relógio de bolso dourado do avô em cima da mesa, para os enormes tapetes... muito nervoso, caminhou lentamente, com medo de que seus passos fossem ouvidos, até a sala onde seu avô dormia. Nunca tinha percebido como aquela televisão era enorme. A empregada entrou na sala trazendo pratos e talheres. Enquanto ela colocava a mesa ele notou pela primeira vez como aquela sala era ampla e como Alzira era pequena e curvada, como destoava de todo aquele cenário. O olhar cansado que ela dirigiu ao garoto o fez correr até seu quarto. Lá, deitado em sua cama, se encolheu debaixo das cobertas e só conseguia repetir pra si mesmo a preocupação que latejava em sua cabeça: "Quanto tempo mais vamos conseguir sobreviver sem sermos descobertos? E mamãe nem disfarça muito bem, com as jóias e bolsas... papai com aquele carro que o vizinho sorridente disse custar o preço de uma casa de praia. Quanto tempo mais nos deixarão livres? Pra que eu fui desobedecer a todos e ler os livros? Pra que? Era tão bom ser inocente... era tão bom ignorar os crimes de minha família..."
3 comentários:
Grande!
Gostei de ver!
Já li na comuna. Muito bom.
fiquei com medo de que o teor crítico estivesse ausente, hehehehe... que alívio reencontra-lo linhas abaixo. é muito bom no que propõe, a tua escrita.
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