quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Sobreviver é a opção?

Abriu a porta, olhou para fora, o tempo parecia sorridente e mesmo assim algo anunciava tristeza.
Vestiu um vestido leve, penteou os cabelos, a boca doía quando passava o batom – vida dura a de prostituta.
Os seios um pouco flácidos não estavam bem com o decote longo, trocou de roupa, tinha que estar bem apessoada para o almoço às 13 h. Tinha a leve elegância de uma gazela.
Desceu os degraus do velho prédio, sua beleza era a única coisa que alegrava aquele ambiente. Sorriu ao porteiro um sorriso daquele que confirma: não esqueci que o devo, mas agora tenho pressa.
Na rua olhares seguiam os seus passos e outros com olfato mais apurado respiravam o seu cheiro e logo sentiam o desejo de sexo arder. Ela nem percebia. Seduzia apenas como se fosse a natureza a anunciar que era estação de flores.
Parou com uma criança que queria saber como estava Carlinha:
__Querida, hoje liguei para o hospital, ela deve passar por outra cirurgia e não estarei lá novamente.
Os olhos azuis pareciam mar bravio. Seguiu pensativa olhando os carros parados nos sinais. Não compreendia como a vida podia ser tão fácil para alguns e tão amarga para outros. Parou no Bar do Zé para tomar alguma coisa, precisava alinhar as idéias. Da mesa ao lado era possível ouvir a voz bem conhecida de Felipe:
__Quem ela pensa que é? Dei a ela o que uma mulher deseja, ensinei a ela como amar, como se despir para um homem. Era apenas uma menininha frágil, dei a ela o dom do brilho e agora sai com bacanas e me deixa de lado.
O amigo rindo comentou:
__ Meu caro, as mulheres são assim, não vivem só de sexo e também não vivem sem ele. É preciso maturidade para lidar com elas.
__Maturidade para comer uma piranha? Uma filha da puta que somente nos acelera pelo prazer que consegue nos arrancar? Acha mesmo que eu seria capaz de tratar bem uma vadia que desce a calcinha para o primeiro pinto endinheirado que surge a sua frente?
__Os homens esquecem o raciocínio quando levam um pé na bunda. Esqueça ela, parta para outra.
E disse isso coçando o saco como se não tivesse nem aí para a conversa já que via que a bela ao lado os olhava fixamente. Ensaiou um olhar daqueles capazes de derrubar uma naja. Se fudeu, ela era uma pantera.
__É meu amigo, não sei o que anda acontecendo com as mulheres. Algumas demonstram querer apenas sexo, outras somente amor e ainda tem aquelas piores que querem ambos. Bom mesmo é ter grana e pagar pela foda.
Ela bem pensou em dar o troco, dar uma boa chupada no amigo do seu ex ao sair, mas saiu deixando o desprezo aos dois.
__Era ela, a miserável.
__O que? Falava da moça ao lado? Meu filho lute, corra atrás. Por uma mulher daquelas eu seria capaz de dar a vida.
__Quero mais é que ela morra embora eu a ame e saiba bem disso o meu coração.
No fundo não era isso o que ele queria, o seu orgulho ferido é que desejava coisas que ele jamais deveria sequer ter pensado.
Agarrou o salto em um paralelepípedo, praguejou um pouco, estava quase ficando atrasada para o seu ganha pão.
Ao longe um senhor gordinho, entre seus 52 anos acenava para ela. Algumas vezes era difícil ter que encarar o que a vida oferecia, mas era o seu ofício. Ela entrou no carro que tomou uma direção desconhecida, andaram um pouco e chegaram em um local deserto.
__Fui contratada para um almoço com um executivo, para onde o senhor está me levando?
O homem mantinha-se calado. A expressão no rosto parecia tensa. Ela trêmula o acompanhava. Um prédio abandonado. Entraram no elevador que emitia sons estranhos. Ele apertou o botão para subir, último andar. Quando a porta se abriu, uma surpresa: Uma mesa posta e dois lugares. A cobertura totalmente limpa e bem decorada.
Almoçaram, deitaram um pouco e ele perguntou sobre o tipo de vida que ela levava. Ela contou das dificuldades, do casamento falido, das marcas que trazia no corpo e tudo isso para sustentar a filha já que seu diploma de Filosofia de pouco ou nada lhe servia, de como era vista pela sociedade, de como era discriminada quando alguém a reconhecia, do medo que tinha de ser violentada já que estava sujeita a tudo e das facilidades que a profissão lhe garantia, apesar de ser ‘trabalho pesado’.
Ele ouviu e depois a tocou entre as pernas, era úmida e quente, afastou um pouco a calcinha e começou a chupá-la delicadamente e pouco a pouco com mais força. Ela empurrava sua cabeça, queria libertar-se, sentia asco.
Ele a amarrou na cama e começou a masturbá-la com os dedos. Ela gritava, relutava com o que estava acontecendo. Instrumentos de alvenaria, encontrados a um canto da cobertura serviram como pênis. As horas passavam e ele seguia a violentá-la sem penetrá-la com o seu sexo.
Ela implorava que ele a deixasse. Quase desfalecida ele a desamarrou e sentou-se de frente para aquele corpo com um fio de vida.
__Garota, há coisas que passam pela cabeça de um homem que uma mulher não imagina. Você luta para cuidar de sua filha, eu, impotente mantenho a aparência de um chefe de família. Tenho desejos e o caralho não funciona. Aqui está o seu pagamento.
Jogou sobre a cama algumas notas e preparou mais um drinque e se debruçou na mureta da cobertura.
Ele ria:
__Sabe? Mulheres como você que se vendem com desculpas esfarrapadas para um pouco de sacanagem não merecem mais que a sacanagem fria e grossa.
Ela tentou se levantar da cama. Sangrava, A alma doía. Tinha vergonha do ser em que havia se transformado. As ruas haviam modificado a sua personalidade, corrompido os seus sonhos. Olhou para aquele homem como se ele fosse um animal do qual ela precisava se livrar. Em um impulso, um momento de fúria se atirou contra ele e o empurrou prédio abaixo. Viu o corpo caindo. Sentiu o maior prazer que já havia tido em sua vida, com a voz fraca disse:
__ Seu ordinário, impotência não é doença!
Abaixo um corpo grande e pesado se chocava com o chão de cimento.
Pegou o celular, discou para Felipe, a única pessoa de quem lembrou no momento. Desmaiou. Algumas horas e eles chegaram; Felipe e alguns policiais. Ela, imediatamente foi levada para uma casa de saúde.
Dias depois acordou com a sensação de estar no paraíso; a filha sorriu:
__Podemos ficar juntas agora mamãe, estou curada. Uma senhora boazinha patrocinou todo o meu tratamento.
Uma mulher olhava da porta para ela e sorria. Entrou e disse: Acabou para ambas. Nova vida começa, seja feliz.
No criado mudo do quarto um jornal. Primeira capa: Prostituta põe fim à trajetória de maníaco sexual.
Fecha os olhos, lágrimas descem. Felipe segura suas mãos. Ouve suas palavras:
__Sendo a mulher da minha vida poderia ser uma criminosa que eu jamais a abandonaria, quanto mais sendo uma heroína.
Ela o abraçou. Sorriram. Tinham direito a um novo começo. A vida das ruas nunca mais. Nas mãos da filha o desenho de um casal, uma criança e um belo sol a iluminar outros caminhos.
Mais vale a felicidade tardia do que a crença perdida de que ela não se encontra em algum lugar.
Sobreviver é dar sentido ao viver.

Eliane Alcântara.

3 comentários:

R. M. Peteffi disse...

Muito bom o blog...!
Gostaria de mostrar o meu tb, caso tenha tempo...
tem alguns textos sobre política, filosofia, fábulas, etc...
www.tautologiaa.blogspot.com
valeu aí..!

JMJC disse...

Muito interessante o tema escolhido Eliane, infelizmente é algo que vai acontecendo mas que pouco ou nada é feito para evitar males maiores e nem sempre teem um final feliz como o da historia! Gostei imenso!bjs

MPadilha disse...

O final feliz que a maioria das prostitudas merecia. Muito bom querida, sou seu fã. Beijos