terça-feira, 16 de outubro de 2007

Insanidade


Pra ele era algo incontido. Quantas vezes se pegou acariciando o corpo daquela garotinha nos dedos da sua mente? Ele tinha noção da sua insanidade, justo ele, o pai de uma menina de 11 tal qual essa dos dedos da sua mente. Uma garotinha, Jasmim era o seu nome, mas não estava mais aqui, não pelos males que lhe fizera e sim por outras dores de que fora acometida. E assim seguia em sua obsessão compulsiva até que num fim de tarde de uma sexta ao voltar do serviço,já que aquele era o seu caminho, defrontou-se com a menina que transtornava seus pensamentos. Era linda! Olhos negros, feição suave, serena, e o jeito de quem achava que tudo de bom estava para lhe acontecer. Sorriu para ela e foi retribuído.
Prometeu-lhe um chocolate e a aceitação veio fácil.
–Ali na esquina, vamos? – e ela foi, rindo, olhos resplandecentes de quem ia ganhar sua guloseima. Comprou o chocolate e ela lhe sorriu em agradecimento. Mais uma vez olhou com paixão praquela criatura em corpo de menina-moça, mas com o olhar de uma criança. - Ah! Quantas recordações a pequena criatura lhe trazia à mente. Recordações tristes e doloridas. Sorriu novamente para ela.
-Em casa eu tenho um monte desses. Você quer? – Os olhinhos brilharam novamente e juntamente com os passos os seguiram. Ao chegarem na sua casa, laconicamente a despiu das suas roupas de garotinha.Ela, assustada, chorava. Ele, ansioso procurou no guarda-roupa a veste de anjo que sua filhinha usara num ano anterior, o da sua morte. Encontrando-a fixou-se nela e entao lhe veio na mente o sorriso e a felicidade da sua menininha vestida de branco. Recordou-se também da pequena biblia que ela portava nas mãos e entao foi impossível deter as duas lágrimas que marejaram seus olhos.Era a roupinha de 1a comunhão. Sua memória avançou mais um pouco e lembrou-se da mulher de quem nunca mais soubera - talvez perdida numa esquina desse mundo de Deus -imaginou.
Voltou à realidade e ao percebê-la assustada a carregou pelo braço e se dirigiram á cozinha. E lá, de um dos armários retirou da prateleira um enorme pote e de lá surgiu uma deliciosa barra de chocolate. Insistiu para que ela pegasse e em se negando carregou-a novamente pelo braço e voltaram para o quarto. A garotinha, agora de anjo, um anjo branco já não mais chorava. Só os seus saltitantes soluços substituiam as lágrimas que de medo não a deixavam chorar.
-Fique em pé! Olhe para cima! – A voz soou dura, autoritária. Ela, como se hipnotizada nem se mexeu. Ele se despiu e enfiou-se numa túnica branca feita de sacos de farinha. Acima da penteadeira uma coroa de folhas secas e amareladas pelo tempo ornamentavam a armação de arames feita por ele, manualmente. Colocou-a e se olhou no espelho por uns bons dois minutos. Após, caminhou até a poltrona, sentou-se e, num riso angelical,e doçura na voz, proferiu:
- Vinde a mim oh pequena criança pois tu herdará o reino dos céus! Depois, nada mais falou, nada mais agiu. Repentinamente a singeleza do olhar foi sunbstituido por um olhar severo, rude. Seus olhos se fixaram num ponto perdido enquanto sua mente mergulhava em pensamentos profundos e sombrios. Novamente a feição o modificava e entao um sorriso um tanto satânico se apoderou de si e se imaginou salvando os pecados do mundo, livrando toda humanidade dos seus infelizes pecados. A garotinha, agora mais curiosa do que assustada desviou o olhar de um ponto qualquer do teto e o foi abaixando lentamente até encontrar os olhos daquele homem estranho. Fitou-o atentamente enquanto tentava compreender o motivo daquilo tudo, mas sem conseguir.
As mãos do homem agora subiam em direção aos céu e as palavras balbuciadas lhe abandonavam a boca, sem nexo, rápidas e sem que ela entendesse qualquer um dos seus significados. Ele já não fazia mais parte desse universo. Acabava de assumir pra si a condição do Todo Poderoso.

Um comentário:

ofilhodoblues disse...

Véio, tá bom o conto, o que gostei mais foi que durante ele todo a gente fica esperando o ato se concluir, mas ele nunca acontece, deixando o e agora, e agora?...

massa!