sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Paris


Minha tarefa diária de apontar todos os lápis é das mais importantes. Apesar do moderno apontador, faço questão de mostrar a arte, esculpindo as pontas com meu canivete vermelho. Estes lápis têm a majestosa função de escrever petições, redigir ofícios, anotar depoimentos, limpar orelhas e rascunhar despachos.
Minha segunda tarefa é a distribuição do jornal sobre a escrivaninha do meu chefe.
Os jornais devem chegar donzelos. Intactos. Responsável que sou, sempre chego antes do chefe pelo menos umas duas ou três horas para dar conta dos meus árduos deveres. Nesta quarta-feira, pelo menos a manchete do jornal li. E mais um pouquinho. Lá no caderno de turismo anunciavam passagens para Paris. Mon Diê. Doze vezes, e ainda assim tá caro!
Paris é como uma virgem na flor da idade. Sonho passear por todos seus cantos. Cheirar suas flores, atravessar suas pontes, caminhar nos seus jardins, sentir as bolhas do champanhe no céu da boca.
Se existe algum lugar com classe, esse lugar tem nome: Paris. Não é necessário subir na torre Eiffel para ficar junto das nuvens e sonhar.
Mona Lisa? Tenho hora marcada com você, seu sorriso é minha alegria. Saímos juntos para um café na calçada coberta com as folhas douradas. Crepe Suzete, baguete, La Fayette, cotonete. O som, ah, o som magnífico: camembér, trotoá, voalá, peti puá. Croassã, chantili, rende vu. Mais um pouco de açúcar, Mona? Na mesa vizinha Voltaire, Sartre, um cavalo branco e Napoleão, na outra o baixinho Lautrec, La Deneuve, Manet e Robespierre. Bonsuá! Saio de braços dados. Todos me cumprimentam. Não é por mim, é por minha encantadora companhia que seduz através do seu olhar emblemático e sorriso enigmático. Ela ajeita o véu, empunha a sombrinha e entramos na charrete. Sem nenhuma palavra margeamos o Sena. O chofer muda a estação do rádio: La vie en rose. Piaf. Ne me quitte pas. Os sinos da catedral de Notre Dame badalam dez vezes.
– Bom jur! – Que droga, von Silva! Quantas vezes preciso te dizer que odeio quando mexem ou dormem no meu jornal?!
Nota: Este conto faz parte do livro "von Silva"

11 comentários:

Anônimo disse...

Klotz é o dono das palavras. Tem toda razão ao desejar viver de seus escritos.

Marco Ermida Martire disse...

Acho que já li este conto, mas se passava em Nova Iorque...

Marco Ermida Martire disse...

Ah, essa capa ficou boa...

Deveras disse...

Paris, Paris... J´te ame...

Bela crônica, me fez pensar que estava dando um rolê pela Champ´s Elysée

Tá sumido, mestre!

Ficanapaz

Muryel De Zôppa disse...

Gostei, sobretudo das referências.

joaninha disse...

Gostei! Uma crónica muito boa. Senti-me um pouco por Paris e até tive uma pontinha de saudade... como é bom escrever!
Até à proxima crónica.

Klotz disse...

Obrigado Ruy, Marco, Deveras, osvaldo, digo Muryel e Joaninha. Sempre é bom ser lido e elogiado hoje vou dormir feliz.
Na verdade, durmo e acordo feliz. Sou feliz.

Anônimo disse...

ótimo, Klotz!

Adorei esse francês aí. Purrepatêléburjuá. Né?

Eu não sabia q vc tem livro publicado.... fiquei curiosa...!! Von Silva... hm, desperta curiô!

Lameque disse...

Já havia lido em outra oportunidade e continuo adorando a crônica.

Roberto Klotz é o meu exemplo no BDE: como escritor e como caráter.

Fernando Maia Jr. disse...

Esse conto já é conhecido meu. :-) E sempre se passou em Paris, muito embora von Silva não dispense Nova Iorque.

von Silva virará personagem lendária: maktub!

Anônimo disse...

mto, mto bom, Klotz!! sabe q tem um certo ar saramaguiano???

bjs!