sexta-feira, 26 de outubro de 2007

As vidas de João

João era pobre. Sentia-se mais pobre do que era. Sentia-se mais miserável e desgraçado do que realmente era. Mas João tinha sonhos, dois grandes sonhos para ser mais exato.

Aquele que é rico e almeja ser cada vez mais rico possuiu um sonho pobre. Porém João tinha sonhos nobres. O primeiro deles era terminar sua morada, que ele mesmo construía. Era servente de pedreiro desde os treze anos. Tentara outras profissões, até a catar papel se prestara. Foi na construção que se sentiu melhor.

João não tinha família. Já não tinha pai nem mãe, já não tinha paixão pela vida, aliás, viver era mais difícil do que imaginava. Já passara fome e sede. Era tão sozinho que chegava a ficar alguns dias sem pronunciar palavra nenhuma. Às vezes procurava outro abrigo para dormir, pois seu barraco sempre inundava com a chuva. Nunca estudou, mal sabia em que ônibus entrar para procurar um bico de pedreiro. Escrevia apenas o nome e talvez nem lembrasse mais como escrevê-lo. Vivia devagar e devagar passavam seus dias. Não tentava sorrir, não tentava mais chorar.

O segundo sonho de João era mais nobre e ao mesmo tempo mais impossível. Sonhava poder voar, cruzar o céu, passear entre as nuvens, ver a tudo e todos lá de cima. Envergonhava-se todas as vezes que alguém na rua o chamava de louco quando erguia a cabeça e caminhava de braços abertos. Sacudia os braços, pulava, pulava e nunca alçava o tão sonhado vôo.

Chegou um dia em que João não apareceu mais. Os poucos amigos que tinha souberam que estava no hospital. Entre a vida e a morte, como sempre vivera. Uns disseram que era dengue, outros que era doença de Chagas, outros que era pneumonia. E João não apareceu mais.

Passou-se muito tempo até que vivesse outra vida. Uma vida completamente diferente.

Agora João é feliz. Voa para onde quer, na hora que quer. Ninguém mais discrimina sua cor, seu jeito, suas roupas. Até viu um casal na praça admirando seu movimento, enquanto voava. Seus sonhos agora são reais, aconteceram sem que soubesse explicar como. Não é mais um João triste, sem vida, sem família e sem lar. É um João alegre, vivaz, tem onde morar. É enfim um João-de-barro.



*Dedicado a João Luis, não o do texto, apenas um amigo!

5 comentários:

Unknown disse...

Liz, você é divina! Obrigado pela ajuda!

mah villa real disse...

this is so sweet...

Anônimo disse...

Um dia eu aparo com meus punhos essa barba. De muita qualidade este textin!

Lameque disse...

Um texto que dá esperança aos desesperançados.

Excelente, Barba.

Marina Rosas disse...

LINDO!

uma das coisas mais poéticas que vc já escreveu..