terça-feira, 6 de novembro de 2007
A Parábola do Rico e Lázaro (Revisitada)
Escrito por
Carlos Cruz
O rico vivia como um rei. Mesa farta, muito luxo, muita pompa, as melhores bebidas, as mulheres mais gostosas, enfim, todas as boas coisas da vida que o dinheiro pode comprar.
Lázaro era um mendigo indigente, miserável e leproso. Morava sob um viaduto, próximo à mansão do rico, para onde ia, diariamente, tentar obter algo para saciar sua fome. Com enorme sacrifício, dada sua fraqueza, subia em uma árvore ao lado da propriedade, de onde ficava a contemplar, com água na boca, as orgias promovidas pelo rico à beira da enorme piscina, regadas à vinho, champanhe, as mais refinadas e apetitosas iguarias e um batalhão de mulheres lindas, gostosas e seminuas. Masturbava-se. Sempre despencava da árvore após ejacular. Então, dirigia-se até o portão de onde, invariavelmente, era enxotado pelos seguranças que, apesar de sentirem pena, cumpriam à risca as ordens do patrão.
O tempo passou. Certa noite, a terra foi sacudida por um violento terremoto. O rico, junto com as seis putas que dormiam com ele, morreu sob os escombros de sua imponente mansão. Simultaneamente, o pobre, junto com Ximbica, um vira-latas que por vezes lambia suas feridas, teve sua vida suprimida pelo desabamento do teto de sua moradia, sobre a qual passava, no momento fatídico, um caminhão carregado de esterco bovino.
Lázaro despertou no Céu, sobre um macio, verde e florido gramado. Ergueu-se e olhou em redor. Avistou dezenas, talvez centenas de anjos, todos com cara de homem. Ouvira dizer que os anjos eram assexuados, mas ninguém disse nada sobre feições masculinas. Alguns metros à direita, avistou uma grande mesa repleta de alimentos coloridos. Aproximou-se e verificou que sobre a mesa havia uma infinidade de frutas, só frutas e, para beber, leite de cabra, só leite de cabra. Indagou a um dos seres angelicais:
- Tem alguma outra coisa pra comer?
- Não. Só comemos frutas.
- E pra beber?
- Leite de cabra. Delicioso.
- E mulher? Tem mulher aqui não?
- Não. Nós, os anjos, não temos sexo. Nem precisamos. Nosso prazer consiste em louvar o Todo-Poderoso. - respondeu, com um sorriso, o anjo e afastou-se.
Neste ínterim, Lázaro viu reflexos de uma luz amarelo-escura, provenientes de um local um tanto afastado de onde estava. Seguiu até lá. Havia um enorme abismo, após o qual, ele divisou o rico, aquele mesmo que mandava enxotar Lázaro dos portões de sua mansão. Estava sentado à frente de uma grande mesa, sobre a qual havia porco assado, torresmo, lingüiça, batata frita, dentre outras delícias comestíveis, além de bebidas alcoólicas de todos os tipos. O rico, com uma garrafa de vinho à mão, gargalhava, enquanto duas diabas deslumbrantes chupavam seu pau e muitas outras, tão gostosas quanto aquelas, aguardavam sua vez. Foi quando Lázaro ouviu o som de uma harpa. Um grupo de anjos entoava uma versão acústica de "I Will Survivor", todos com a mesma cara de viado e aquele sorriso idiota nos lábios. Lázaro, pela primeira vez, solta o grito retido na garganta:
- PUTA QUE O PARIU! POBRE SÓ SE FODE MESMO! ATÉ DEPOIS DE MORTO! CARALHO!
Nuvens negras surgem no horizonte. Uma legião de cabeças volta-se em sua direção. Trêmulo, Lázaro ouve a tonitruante voz:
- QUE COISA FEIA, LÁZARO! NÃO PODE XINGAR AQUI NÃO!
Lázaro, com um sorriso amarelo, toma um gole de leite de cabra, não sem antes dizer:
- Desculpa. Eu não sabia.
"Vai ser uma longa eternidade" - pensou.
Carlos Cruz - 15/06/2007
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Um comentário:
Texto maravilhoso, de uma ironia impar. Os anjos com "cara de viado" são um achado. Sua imaginação não tem limites, CC.
És católico? Em caso positivo, cuidado com a excomunhão.
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