O vestido
Odiava esperar as coisas acontecerem, mas talvez por um momento, pudesse se permitir ser levada pela força do vento, esvaziar seus pensamentos e deixar-se como folha avulsa que se solta em idas e vindas lascivas.
Atordoada, não sabia se pela espera ou se pelo número de pílulas que tomara, Cecília entregava-se ao vento e como seu vestido de seda púrpura, ela ondulava, quase dançava, aquela leveza tomando-lhe a pele clara, sem a devida noção do tempo, não distinguia dia ou noite, se aquilo era real ou se era mais uma de suas visões.
Lembrou-se de César por um momento, parecia que nunca vivera sem ele, a impressão mais forte que tinha era que ele era uma constante em sua vida, mas com a mudança de vento, seus pensamentos mudaram de rumo.
Ateve-se ao vestido, olhava a disposição de suas saias e suas dobras, adorava aquele vestido, tinha vontade de dançar e sorrir. Em movimento de rotação, dançava sozinha e ria de si mesma, quase que embriagada de nada. De tanto rodar, sentiu vertigens e parou num movimento brusco. Ainda observando as dobras do vestido, se a vida tivesse dobras como suas saias, como descobrir onde começa uma coisa e termina a outra? Haveria uma linha intermediária entre o contemplativo e o ativo? Olhar as saias a agradava, mas rodar para fazê-las se movimentar era infinitamente melhor, a deixava tonta, mas realizada, leve como uma pluma.
Apetecia-lhe vislumbrar as coisas, mas a espera era inquietante. Não gostava de esperas, elas eram angustiantes e lascivas, talvez entediantes. Ouvia das pessoas a mesma reclamação, chamavam-na de inconseqüente, impaciente, e era mesmo. Precipitava-se ao primeiro sinal de perigo, feria para não ser ferida, fugia, para não se sentir pressionada.
Seria ela a única dona de seu destino? Será que tudo que lhe acontecera até ali teria sido apenas por suas escolhas mal feitas, ou por hora ter se tornado prisioneira de uma liberdade ilusória?
Finalmente estava no estagio que pretendia alcançar, a dormência, a gentil sensação flutuante de estar livre de qualquer amarra, tudo parecia ocorrer em seu ritmo próprio, o vento ganhava voz e sorrisos.
Seu vestido era roupa, apenas para seu corpo, para o vento não passava de um tecido, de um obstáculo que teria que transpor pra chegar em seu destino final. Aquelas dobras eram transitórias, ao menor movimento do vento ou de Cecília elas se desfaziam por completo, sem marcas, sem rusgas.
Quem dera fosse livre como o vento, dona de seu destino, quem dera soubesse fazer as escolhas certas, quem dera não tivesse que fazer escolhas. Tudo parecia confuso e claro, não havia liberdade, apenas um simulacro dela. Mas por hora, Cecília estava feliz com seu vestido.
Por um momento pensou ouvir a voz de Otávio, sentiu suas mãos suando e um desconforto vertiginoso. Ele perguntava, - Para que faz isso, Cecília, não sei mais como posso te ajudar!
Ela só tinha vontade de rir, mas estava fraca demais para isso.
(fragmento de meu pretenso romance: "Sob o olhar de Cecília")
2 comentários:
O bom da prosa de Larissa (que ela jura de pés juntos não existir), é que está impregnada com a mesma poesia que lhe move a vida. Partes poéticas de um ser que respira arte. Isso é Larissa, quase em essência.
ficanapaz
Valeu, Cris, um dia aprendo com você a ser poseira de boca e palavra cheia, adoro-te.
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