A Greve dos Coveiros
Os coveiros da pequena cidade do interior do Estado de São Paulo estavam com seus salários defasados. Há mais de dois anos não recebiam um aumento. Aproveitaram a onda de bem sucedidas greves, com bons acordos para os metalúrgicos do ABC, naquele ano do final da década de 70 para decretar uma paralisação por melhores salários.
A quantidade de profissionais especializados em cavar sepulturas era muito pequena, apenas cinco homens trabalhavam na necrópole. Por esse motivo, não existia um sindicato da categoria e sim uma sociedade, que foi registrada com o nome de Associação Unida dos Coveiros (AUC), e se reunia uma vez a cada dois meses em caráter ordinário, de acordo com o estatuto da entidade. A assembléia geral dos associados era realizada só uma vez por ano, ou em qualquer ocasião, em caráter extraordinário.
Na época da fundação havia duas opções para o nome da entidade. A outra era Associação dos Coveiros Unidos, que foi descartada porque a sigla ACU certamente provocaria muita gozação e piadinhas sem graça entre os freqüentadores dos botequins e entre os aposentados, usuários da praça no centro da cidade.
Como eram cinco os fundadores e os associados da entidade, eles acabaram sendo também os membros da diretoria, constituída por presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro. O único que ficou sem cargo assumiu o conselho fiscal.
Todos compareceram à assembléia geral extraordinária, realizada no salão dos fundos do Bar Nostalgia, que aprovou a realização da greve a partir do dia dois de abril de 1979. Chegaram a convidar o Lula, que não pode comparecer devido a outros compromissos, mas enviou um telegrama, lido pelo secretário, no qual desejava “sucesso e vitória para essa sofrida classe de trabalhadores”.
Não quiseram marcar a greve para dia 1o. de abril, porque ninguém acreditaria. A paralisação acabaria servindo de gozação e piadinhas de mau gosto, que são freqüentes nessa data, quando se comemora o Dia da Mentira.
Mas, para azar da unida classe, no dia primeiro dia de abril foram realizados os três últimos sepultamentos. Não morreu mais ninguém até o final do mês. Mesmo que a greve não fosse decretada, eles ficariam praticamente parados o mês inteiro.
Depois de reuniões paralelas das quais participaram alguns vereadores de oposição, os profissionais especializados na abertura de túmulos, que trabalhavam no único cemitério do município, optaram por aprovar o fim da greve, em nova assembléia geral extraordinária realizada no mesmo local, já no final de abril.
E no dia seguinte, véspera de 1o. de Maio, o Dia Mundial do Trabalho, morreram cinco pessoas idosas naquela pequena cidade de apenas 15 mil habitantes.
---
*Hildebrando Pafundi nasceu, em São Paulo (Capital), é escritor e jornalista. Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo e autor dos livros Tramas & dramas da vida urbana, No ritmo sensual da dança (contos) e Cotidiano e imaginário do ano 2000 (diário), entre outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário