A atualidade de O Grande Ditador (1940), de Charles Chaplin
Da Mesopotâmia ao novo milênio, podemos dizer que a humanidade mudou muito – mas uma análise da obra de Charles Chaplin pode nos levar a afirmar justamente o contrário. Charles Spencer Chaplin, imortalizado na figura do “Tramp” (ou Vagabundo), produziu mais de setenta títulos e buscou revelar, por meio da sétima arte, a essência da natureza humana, levando-nos à comédia através da tragédia – ou à tragédia através da comédia. Talvez por causa de seu cinema mudo, Chaplin nos impõe, a cada filme, o silêncio da reflexão e ainda assim nos diverte com as mais inusitadas cenas. Quando decidiu, com O Grande Ditador (1940), realizar seu primeiro filme totalmente falado (e ele resistiu durante longo tempo a essa idéia), Chaplin sabia o que estava fazendo e – quebrando a reflexão e o silêncio – cravou na nossa história um discurso imortal pela paz.
De tempos em tempos, discursos como estes aparecem na história da humanidade e nas suas mais variadas manifestações: na filosofia, podemos citar Platão; na religião, Cristo; na questão das línguas, Zamenhof; na política, Gandhi; na ciência, Einstein; e no cinema, Chaplin. Isso nos leva a crer que, na sua essência, a humanidade pouco mudou, e a atualidade que ainda se confere ao filme de Chaplin confirma esta idéia.
O Grande Ditador traz Chaplin em papel duplo, encarnando o ditador da Tomania, Adenoid Hynkel (um referência à Alemanha e a Hitler), e um barbeiro judeu, que lutou pelo seu país na Primeira Guerra Mundial. Ao seu lado, desfila um elenco de grandes atores, como Paulette Goddard, vivendo a judia Hannah, Maurice Moscovitch, no papel do velho Sr. Jaeckel, e Reginald Gardiner, como o Comandante Schultz, de quem o barbeiro judeu salvara a vida.
O que Chaplin faz em O Grande Ditador é uma impressionante paródia daquela época, atribuindo nomes familiares a pessoas e lugares e ridicularizando sistemas contra os quais muitas vezes o mundo se sentiu impotente. Os nomes Tomania e Adenoid Hynkel dispensam associação. Mas temos ainda Henry Daniell interpretando Garbitsch, cujo nome significa “lixo” e remete ao alemão Goebbels, uma das pessoas mais próximos a Hitler; e Jack Oakie no papel de Benzino Napaloni, ditador de Bactéria (uma alusão a Mussolini e à Itália e uma brincadeira com o nome de Napoleão). Ainda na paródia, mas na forma de uma bela homenagem, Chaplin desenha um país ameaçado de invasão, Osterlich, que pode funcionar como uma lembrança à Polônia, então sendo invadida pelas tropas de Hitler. Interessante é o uso do Esperanto, pouco notado pelos espectadores. O Esperanto é uma língua associada à cultura de paz e união, criada por um judeu na Polônia, quando esta era território do Império Russo - e, por tudo isso, avidamente perseguido e negado pelo nazismo.
Apesar das referências explícitas aos acontecimentos das décadas de 30 e 40, O Grande Ditador continua atual e é um convite à reflexão acerca dos primeiros acontecimentos do século XXI. Além disso, assistir a esse filme é se permitir conhecer algumas das mais clássicas cenas do cinema, como a sonhadora dança do ditador com o globo terrestre ou a fuga de cabeça para baixo no avião de Schultz.
Nunca será lugar-comum dizer que a obra de Charles Chaplin é uma genialidade. O Garoto (1921), Luzes da Cidade (1931) e Tempos Modernos (1936) são alguns dos grandes títulos inclusos na filmografia básica deste cavalheiro inglês, e O Grande Ditador se junta a ela pelo seu conteúdo e pelo fato de ser o primeiro filme totalmente falado de Chaplin, embora, mesmo aplicando a fala à sua arte, o artista tenha valorizado cenas completamente mudas, onde os únicos envolvidos são os gestos dos artistas e os olhos da platéia que os aprecia.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
– Charles Chaplin, “O Grande Ditador”.
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O Grande Ditador (EUA, 1940)
Elenco: Charles Chaplin, Reginald Gardiner, Henry Daniell, Jack Oakie, Paulette Goddard e Maurice Moscovitch.
Direção/Roteiro: Charles Chaplin.
Cor: P&B.
Censura: Livre.
Crítica: CINCO estrelas
3 comentários:
Olá, amigos! Parabéns para nosso bar! Em março ele faz aniversário, não é isso? :-)
Gígio, senti falta de um post seu! :-(
No mais, eis uma crítica. Ultimamente tenho buscado variar - postei um ensaio; hoje uma crítica. Embora saibam que sou fã de poesia, acredito que nosso bar pode explorar mais todas as outras áreas da literatura - e a crítica pode ser uma delas.
Você disse:
"Ainda na paródia, mas na forma de uma bela homenagem, Chaplin desenha um país ameaçado de invasão, Osterlich, que pode funcionar como uma lembrança à Polônia, então sendo invadida pelas tropas de Hitler."
Creio que Osterlich seja, na verdade, uma alusão à Áustria ("Österreich", em alemão), país anexado pela Alemanha nazista.
Também adoro esse filme!
Xará, muito obrigado por fazer notar. Não sabia do nome da Áustria em alemão! Por isso fiz uma associação claramente enganada.
Certamente é a Áustria a quem Osterlich se refere.
Obrigado e aprendendo sempre,
Fernando
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