Vanílson era conhecido como o “Fauno das Laranjeiras”. Moradores do bairro o apontavam nas ruas relatando histórias de suas conquistas amorosas, evangélicas assustavam-se após sua passagem como que se diante do demônio estivessem, mulheres decentes baixavam os olhos quando com ele cruzavam e as mais ousadas, entre um cochicho e outro, riam por terem dormido com ele ou desejosas por um dia dormir.
Alguns homens admiravam o seu talento em colecionar amantes, namoradas e casos fortuitos. Outros, embriagados pelo desdém, eram carcomidos pelo verme da inveja. Habitava ainda o bairro uma terceira categoria: a dos temerosos, sujeitos vivendo em constante receio de terem suas mulheres fisgadas pela lábia do Fauno das Laranjeiras. Contudo, Vanílson, entre um gole e outro de cerveja, tranqüilizava os amigos de boteco que porventura possuíssem uma companheira dividindo a cama.
— Mulher de amigo meu nem homem é. É sapata! Daquelas de usar cueca e cuspir no chão!
E diante da gargalhada geral, portando sorriso de vendedor de carros usados acrescentava:
— Sapata só para o amigo aqui que vos fala. Longe de mim querer ofender a patroa de qualquer um...
E assim seguida a vida nas Laranjeiras, com o Fauno protagonizando suas aventuras sexuais pelas esquinas, até que um dia, Rubinho, seu amigo do peito, quase um irmão, no passado colega de escola e do time dente-de-leite do Fluminense, veio com a notícia na mesa do bar:
— Vou me casar, Van. Menina virtuosa, pura, daqui do bairro mesmo. Paixão da minha vida. Amo mais a ela do que a mim mesmo. Quero que você seja meu padrinho. Madrinha pode ser quem você escolher.
— Parabéns, irmãozinho... muito me honra. Eu conheço?
— Espero que não...
E relatou ao amigo seus temores.
— A gente é brother, quase sangue um do outro, companheiros de ataque no glorioso Tricolor... Gosto de ti pra caramba, todo mundo neste boteco sabe, como sabe também da sua fama no bairro, por isto quero te pedir um favor.
— Tu não pede... Tu manda!
— Vou te apresentar a Joelma. Se você já tiver transado com ela, me faz um sinal. Aí eu saberei que ela não presta, que esta história de virgindade é balela e acabo com o noivado. Tudo na maior encolha, sem escândalo. E tu fica limpo comigo pois, se tiver dormido com ela, com certeza foi antes de eu conhecê-la. Vou sofrer, mas ficar livre da humilhação aqui em Laranjeiras: de ser corno do melhor amigo.
Vanílson relutou, disse que não podia fazer uma coisa destas, que se tivesse por acaso saído com Joelma, eram águas passadas, não convinha remexer mas, no fundo, envenenava-lhe a curiosidade em saber se já havia provado dos chamegos da noiva do Rubinho, a tal virtuosa. Desta forma fingiu indignação durante mais alguns minutos para no fim ceder. Combinaram o tal sinal. O Fauno colocaria a mão direita sob a axila esquerda, enquanto a mão esquerda coçaria de leve o queixo.
— Um sinal, apenas um sinal – papagaiava Rubinho, dedo em riste na direção do amigo enquanto ligava do seu celular para a noiva, pedindo que ela fosse ao boteco conhecer o seu padrinho de casamento. Meia hora depois, o pecado estava em frente aos olhos de Vanílson. Com certeza ele estava diante de uma mulher honesta, casta feito uma Carmelita Descalça, mas diabolicamente tentadora. Por momentos Vanílson pensou em fazer o sinal combinado, só para ter o prazer em fingir haver possuído aquela mulher em seus braços, mas conteve-se diante do amigo que a tudo assistia impassível.
Passado um tempo, Joelma despediu-se, alegando encabulamento por estar num boteco. Rubinho a levou para casa. Em seguida retornou ao bar, ajoelhou-se diante do amigo e, numa atitude digna de um personagem rodrigueano, em pratos gritou:
— Graças a Deus, minha noiva é uma santa!
Vanílson abraçou o amigo, mas sua mente vagava distante. Pensava em como faria para ter Joelma ao menos em uma oportunidade. De nada valeriam a soma de todas as suas conquistas se ele não amasse, por uma única vez que fosse, aquela que ele já batizara no íntimo de “A Mulher”.
E assim, o Fauno iniciou sua a perseguição a Joelma por toda Laranjeiras. O desejo fugia do seu controle, transpirava por todos os seus poros. Todavia, o sentimento de remorso o acabrunhava. Ela era noiva do seu melhor amigo, quase irmão, seu parceiro no ataque do Fluminense. Ele, um cafajeste. Fauno era pouco para rotulá-lo. O “Cafajeste das Laranjeiras”, esta seria a alcunha perfeita para um verme como ele.
E o desejo venceu, mas Vanílson não pecaria sozinho. Joelma também capitulara. O encontro ocorreu na quitinete do Fauno que, em virtude do entra e sai de mulheres, era conhecida nas redondezas como “O Abatedouro”.
No aconchego dos corpos debaixo dos lençóis, entre a fumaça dos cigarros, eles conversaram.
— Por quê? Porque traímos Rubinho? – lamentava o Fauno.
— Você porque é um canalha, que não respeita aquele com quem fez tabelinha no ataque do Fluminense. No meu caso, por curiosidade.
— Como assim?
— Eu precisava saber se era verdade tudo o que falavam sobre o desempenho do “Fauno das Laranjeiras”, um mito entre as mulheres do bairro.
— E então? Qual o veredicto? – perguntou o canalha.
— Melhor do que eu imaginava...
Explodiram em riso solto durante horas. Entre uma pausa e outra, fizeram amor, como só os amantes sabem fazer. Toda semana, se encontravam no Abatedouro. Riam, amavam-se e se maldiziam pela punhalada moral nas costas do noivo e amigo. Até que um dia, os gemidos de prazer foram interrompidos pela porta arrombada e Rubinho invadindo a quitinete.
Diante da impossibilidade de negar a traição, Vanílson, sentado na cama e tendo ao lado uma Joelma nua e paralisada pelo pânico, colocou a mão esquerda em sua axila e, sem deixar de encarar Rubinho, coçou o queixo.
— Antes ou depois do encontro no bar? – perguntou Rubinho.
— Depois... não menti para você.
O casamento aconteceu na Igreja de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, com os três dividindo o altar. Vanílson, na condição de padrinho do noivo, mal se lembrava do rosto da madrinha, sequer do nome. Rubinho e Joelma formam morar na Tijuca, longe do Bairro. Vanílson volta e meia encontrava Rubinho no mesmo bar, e o compadre testemunhava o Fauno relatar suas conquistas nas Laranjeiras. Eventualmente, Joelma o visitava no Abatedouro, e os dois se esgotavam em desejos nas tardes quentes do Rio de Janeiro. Rubinho havia optado em manter as duas coisas que mais preservava. A mulher que amava e a amizade forjada no gramado do Fluminense Futebol Clube.
2 comentários:
É, de fato, bem rodrigueano o conto: há traição, intriga, sexo e a o time do Flu (não que o time acrescente em nada, rs)
Beleza, Mister. ficanapaz
Cara. Você é gênio. Parabéns! \o/
Postar um comentário