sexta-feira, 15 de agosto de 2008

O FIGO PODRE

Era uma vez, um figo podre.

Definhava numa figueira, suspenso sob tênue pedúnculo, esquecido dos pássaros, emitindo ser fedor ao redor da frondosa árvore.

Uma aldeã colhia figos. Enchia trauteando uma cesta de vime. E colheu despercebidamente o figo podre, colocando-o entre os bons figos da cesta.

Ela tinha uma bela casa, uma bela mesa, um lar límpido e singelo. E enamorara-se de um montanhês, belo e robusto, que no flerte se tornara seu assíduo comensal.

O figo podre, misturado aos outros na cesta, não contrariou sua natureza: transmitiu sua podridão a todos eles, lançando ao ar doméstico da mulher eflúvios ominosos, que logo o comensal não deixou de aperceber-se, entre discretas fungadas ao ar.

Cismou que da aldeã se desprendiam os fluidos carregados do dulçor nauseante.

Seu enlevo pela mulher desmoronou-se. E mais ainda ao ritual da sobremesa, nas dentadas aos frutos deteriorados, nas cólicas constrangedoras sofridas ainda na casa da futura consorte.

Afastaram-se. O figo podre decompôs-se totalmente, cumprindo sua triste trajetória nesta pobre terra. E deixou, sem muito remédio, a solidão na aldeã, seu lar singelo, sua cesta de vime impregnada de coliformes, e a saudade do belo e robusto montanhês que agora passava ao longe.

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