sexta-feira, 1 de agosto de 2008

O que faço agora?

Olho a mesa do meu serviço, lotada de processos, e penso em escrever alguma coisa, qualquer coisa, afinal, me intitulei escritor. Não tenho livros nem leitores, mas se me perguntam, respondo: escritor. É claro que isso me impede de me dedicar ao trabalho que paga as contas, também me atrapalha na busca de qualquer outra função. Sempre agi como o herói perdido entre ruelas malditas do baixo meretrício. Me mantive pronto para a ação, imaginária, enquanto a vida real, chata e monótona, escorria pelos dedos; sempre gostei mais de sonhar.
Leio as linhas acima e fico mais satisfeito com elas que com o salário que entrou hoje. Recebo quanto valho, na verdade. Minha dedicação é mínima, então me sobra o equivalente. Sei que seria capaz de comandar a porra toda, fazer um puta trabalho e resolver todos os problemas, mas já que o reconhecimento seria nulo, além de me render absolutamente nada, recolho minhas garras e digito neste computador. O salvador permanece em hibernação.
Elocubrei dois enredos maravilhosos de livros best-sellers enquanto almoçava, sozinho, no self-service mais barato do Venâncio 2000, o prédio mais acabado do Setor de Rádio e TV SUL, em Brasília, a capital mais amoral do país mais indolente da América mais pobre. Depois, enquanto passeava ao redor da fonte da Torre de TV, para relaxar e pegar um sol, que ainda é gratuito para todos (pois há coisas como a liberdade, por exemplo, que são gratuitas apenas a quem tem dinheiro, ou seja, mais uma hipocrisia humana) me felicitei pelos futuros milhões de exemplares vendidos, finalmente sendo aclamado como o genitor de uma narrativa inovadora, baseada naquilo que o leitor não seria capaz de supor durante a leitura, além de inserir as surpreendentes novas conceituações antropológicas da anarquia e do ateísmo baseado na Força.
Parei para coçar o umbigo.
- será que só penso em mim mesmo? – Eu me condenava por negar a sociedade capitalista mas, ainda assim, aspirar a fama neste ambiente asqueroso.
Cutuquei a coceira e descobri um carrapato. O filho da mãe poderia estar ali desde minha adolescência, lembro de umas sujeirinhas que nunca saiam (nunca tive tempo para vaidades).
Arranquei o bicho à unha.
- há quanto tempo você tá me vampirizando? – O artrópode respondeu mexendo as perninhas, gordo, bem alimentado com meu sangue.. – ah, é? Então vai morrer! – E o esmaguei sem dó.
O umbigão continou coçando. Se fosse a palma da mão, torceria para ser a mandinga que dinheiro está para chegar, mas o umbigo? Do que ele me alertaria?
Fui a duas reuniões e despachei com um chefe e um coordenador. Autoridades públicas. Eu também sou uma autoridade, num emprego chato, vinculado a políticos, cercado por sanguessugas e completamente decepcionado por deixar minha vida chegar tão fundo na ladeira, mas só me regozijo por não pertencer a esta função, é só um emprego temporário, como todos nos últimos 15 anos. Se der na telha, mando tudo pelos ares e volto pras estradas com minha mochila. De uma forma bem idiota, meu fracasso profissional me dá uma sensação abobalhada de felicidade. Se não estou firmemente vinculado a um emprego formal, bem remunerado, avançado na carreira, não fico apreensivo em escapar por ai. Já fiz isso, até. E me arrependi. Mas foi bom. Não sou idiota, aprendo com meus erros, mas os tempos são outros e as decisões também; é a ironia da própria história! Com ela se aprende o que não se deve fazer, porém não dá a menor dica de qual seria o melhor caminho. Nunca ajuda na parte positiva. O que faço agora? Eu nunca sei...
Assisti um documentário sobre os suicidas na ponte de San Francisco. Pude sentir a dor daquelas pessoas que se jogavam para a morte. Me impressionou tanto pois, é claro, já sofri o mesmo desejo funesto. É uma desilusão tão infinita com o futuro, uma distância tão intransponível para a felicidade, uma amargura que pesa os olhos, a cabeça, os ombros, como um Atlas carregado de derrotas. A solução torna-se óbvia: resetar a máquina e acreditar no ciclo da evolução!
Tá tudo bem escrito, falta apenas encerrar ligando todos os fatos. E preparar a surpresa final. É o que faço agora, afinal, acho que sou um escritor.
O umbigo inflamou, formou uma casquinha e acumulou lã de casaco. Ou seja, voltou ao normal. Na verdade, parece mais saudável que nunca. Dizia: olhai a bonança depois da infestação. Me falava para ter fé na Força. E, curiosamente, tô de olho nuns concursos públicos. Acho que não sou idiota, não posso ter esquecido tudo o que já aprendi, tanto nos estudos quanto nas experiências tristes, ambas degraus para a maturidade. É tempo de acordar o herói para salvar ao menos uma vida: a minha. Eu preciso viajar pelas estradas, mas viver não é preciso. Tenho que me dar conta dessa paráfrase a Fernando Pessoa e acertar os ponteiros. Se a hora de sonhar já acabou, vou seguir adiante. Darei o passo em frente à beira do abismo.
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Sim, se mais uma derrota é iminente, a lógica, vulcaniana ou aristotélica, é simples. Um salto, ou tiro, e que a Força esteja comigo.

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publicado em Modelos de cartas de suicídio.

2 comentários:

Jana Lauxen disse...

Eu acho que você deve tentar mais uma vez.



Abraço.

Giovani Iemini disse...

o que, me matar?
hehehe