quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Vampiros na Bienal do Livro



Na Bienal, a jovem escritora passa pelo nosso stand entregando convites para a sessão de autógrafos de seu livro de contos, que se realizará dentro de meia hora. Entrega um a cada pessoa presente e deixa um montinho em cima da escrivaninha a que estou sentada.

Uma senhora se aproxima de mim, com o convite na mão.

– “Um Vampiro Atrás da Porta” – lê, com cara de desgosto. – Por que você acha que ela deu esse nome para o livro?

– Não sei ...

Ela insiste:

– Você acha que ela deu esse nome só pra aparecer?

Parece realmente indignada. Contemporizo:

– Não... Deve ser o título de um dos contos.

– Um conto sobre vampiros?

– Metaforicamente, talvez...

– É uma brincadeira dela? Ela está só brincando? Você acha que é um livro infantil?

– Acho que não. Ela escreve para adultos. Já li contos dela, são muito bons.

– Porque, você sabe, crianças adoram essas coisas de vampiros, desde que fizeram aquela novela...

– É verdade.

(Não estou com ânimo para discutir.)

Ela prosseguiu:

– Você não acha um absurdo fazerem novela com vampiros? Não se brinca com isso!

– É só ficção...

– Mas vampiros existem, sabia?

Fiz uma cara interessada.

– Existem –, ela asseverou. – Existem vampiros vivos e vampiros mortos.

– É mesmo? Pensei que vampiro não morria.

– Algumas pessoas mortas voltam à Terra como vampiros... daí não morrem mais.

– Ah!

A gente aprende tanto, em uma tarde na Bienal...

– Tem um paciente no hospital em que eu trabalho que é vampiro –, ela contou. – Acho que ele nem sabe disso.

– Como pode não saber?

– Às vezes eles não sabem. Quando são sugados ainda muito pequenos, eles esquecem. Passam a sugar os outros e nem percebem.

– Mas... mordem o pescoço?

– Não! – ela se aborreceu com minha ignorância. – Não precisa morder. Eles sugam a energia da gente.

– É verdade, tem gente que se aproveita dos outros...

– Não é disso que estou falando! Estou falando de dreno de energia. Sabe o que é isso?

– ... Não...

– Não tem gente que te suga? Que te deixa exaurida?

– Hum...

Fiz uma cara de dúvida. E ela:

– Mas agora eu aprendi a me proteger. Eu via que todos os que lidavam com aquele paciente estavam ficando doentes... Médicos, enfermeiras... Todos! Aí resolvi me proteger. Agora só lido com ele com a mão esquerda.

– E funciona?

– Claro! Ele só pode sugar a energia da gente pela mão direita. Se eu não encostar a mão direita nele, estou protegida.

– Ah!

– Tem uma senhora no meu prédio que também é vampira. Ela era viciada em psicotrópicos e dormia o dia inteiro. Mas quando estava dormindo saía do corpo e ia nos apartamentos dos vizinhos.

– Ia?!

– Um dia percebi que ela estava no meu apartamento. Eu estava vendo TV, distraída, e de repente senti a presença dela.

– Como você percebeu?

– Ora! Como que um cego percebe quando tem alguém na sala com ele? Foi assim, do mesmo jeito. Eu sou sensitiva. Mas na hora em que eu senti a presença dela, peguei o desodorante e fiz assim: tsschhhhh! Bem em cima dela!

Encenou o gesto, empunhando um desodorante imaginário e dando uma sprayzada com o indicador. Arregalei os olhos:

– Puxa!

– E sabe o que ela fez, na hora que eu taquei o desodorante nela?

– O que que ela fez??

– Ela mora bem em frente do meu apartamento, a janela do quarto dela dá pra minha sala. Ela abriu a janela do quarto e deu um grito assim: AAAAAAAA!

Gritou bem alto. Arregalei mais os olhos. Algumas pessoas que passavam diante do stand nos olharam, curiosas.

– Depois, quando encontrei ela no corredor do prédio, sabe o que aconteceu?

Eu ia arriscar o palpite de que a tal senhora estaria com cheiro de desodorante. Ainda bem que eu não disse essa bobagem. Ela explicou:

– Quando ela passou por mim no corredor do prédio, ela gritou de novo: AAAAAAAA! Ela lembrou que fui eu quem jogou o desodorante nela...

– Que coisa...

– Pois é. Desde aquele dia ela mudou completamente. Agora ela acorda cedo e vai à igreja todo dia. A igreja lá dela... porque é católica fanática.

Eu diria “fervorosa” em vez de fanática, mas é questão de vocabulário. Concluí:

– Ainda bem que você tinha um desodorante à mão...

– Pois é...

Com esta conclusão filosófica ela se foi, que a Bienal era grande e havia muitos stands a visitar. Mas não deve ter ido à sessão de autógrafos de Um Vampiro atrás de Porta.

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