quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Adiamento

Eu espero o amanhã
Hoje não, hoje há medo
espreitando-me a alma
Hoje o trivial, a rotina.
Amanhã o extraordinário,
a vida que vale a pena.

Hoje a carne flácida
caída no lençol sujo
não merece a glória
da experiência plena
desse amor ideal
ou desse poder criador
dando-me asas
para alcançar a essência
do que é matéria inerte
e forma aparente.

Hoje não. Hoje o chôro
contido como um segredo
pois essa vida medíocre
é simples e previsível
mas também mete medo,
que é o medo do nada
além de dia após dia
viver um dia após outro
esvaindo-me aos poucos
numa resignada agonia.

Amanhã, amanhã quem sabe
eu seja diferente.
Hoje eu sou a minúscula
e insignificante partícula
da grande massa
na qual posso sumir
sem precisar pensar.
Na qual posso me esgotar
até o esquecimento
da liberdade de sonhar,
da maldição de querer
o que não posso me dar.

Hoje é melhor morrer
sem precisar me matar.
Morrer assim, calada
sufocada no buraco
do meu próprio não-ser
ouvindo-me respirar.


Iriene Borges

Um comentário:

Angela Gomes disse...

Belíssimo, Iriene!!! Ouvir-se respirar, não há nada mais intenso que a própria vida. Ousar-se enfrentar os amanhãs.
Bjs. Saudações Etílicas!