terça-feira, 28 de julho de 2009

A rua





Para as pessoas que passavam por entre os postes daquela rua
A brisa do ar não era nada mais que algo obrigatório
As calçadas sujas e esquecidas pela pressa
Nem mesmo se notava um buraco novo
Às vezes quando um pé descalço passava
Admirado com a riqueza do cimento milenar
Pedia licença para as pegadas feitas por sapatos granfinos


As mãozinhas das crianças
Eram as únicas a encostarem-se ao chão das grandes calçadas
As mães rogavam pragas a cada toque
Ávido por um passeio até a boca
E as ciganas das ruas diziam
Só mesmo uma criança para saber o verdadeiro gosto da cidade


Os mendigos que xeretavam
Cada lixo
Cada canto
Procurando como grandes caçadores de tesouros
Encontravam na bendita rua
Sua cama
Sua família
E suas carências com ela compartilhavam


Ontem passei pela rua
Por entre os postes altos como antigas árvores
A cada passo me encontrava mais próxima de um universo egoísta
Passei por entre multidões sem rostos
Por animais e lojas sem nomes
Mas quando vi seus olhos
Ofuscados pelo forte sol em meu rosto
Quase me perco na rua conhecida


Fui embora com a lembrança de sua boca
Dona da praça daquela rua popular
Que de lá sei que só sai disfarçada
Pra me encontrar na lambida de um sorve
Da sorveteria da rua
De grandes postes
De mendigos putrefatos
De crianças remelentas
De ciganas salafrárias
De pessoas mascaradas
Do amor da lúgubre visão
De mim
Em você



Audrey Carvalho

Um comentário:

lena casas novas disse...

Esse tema é intrigante!