domingo, 20 de novembro de 2011

Convidado Lourenço Dutra


Esperança vermelha
Para Vladimir Carvalho



Prédios e sonhos erguidos em meio ao ermo.
Acampamento cheio, improvisado. Ritmo de cidade em
construção. Babel nacional: maranhenses, goianos, mineiros, paraibanos,
pernambucanos, paraenses, gaúchos, piauienses, paulistanos.
Todos explorados, calejados, esperançosos.
A capital da esperança acelerando na velocidade de jipes,
rurais, decavês, gordinis. Eldorado da poeira, da arquitetura futurista,
e do concreto armado. Terra vermelha. Espécie de solidão
corrosiva, de luta contra o nada.
Tratores, patrols, de esteira, retroescavadeiras. Todos americanos,
como o dinheiro emprestado para tocar o projeto. Matéria
humana genuinamente nacional. Gente pobre, calejada, sofrida.
Armações de ferro por todos os lados. Toneladas infindas de
cimento, tubulações e brita. Areia branca, rosa, saibrosa. Mistura
rápida nas betoneiras. Candangos correm de um lado ao outro no
canteiro sem flores, sem plantas, sem verde. Canteiro sim, mas
de obras. Muito suor, muita terra vermelha revolvida, espalhada.
Obras para todos os lados. Fatigantes, massacrantes, exaustivas.
Rodízio de trabalhadores em turnos de 12 horas ininterruptas.
Obra 24 horas no ar, nas pernas e nas mãos. Operários sem
preparo e sem equipamentos despencam nos ares. Do Congresso,
dos blocos, dos ministérios. Gente sonolenta, cansada, mal alimentada.
Arquétipos de prédios e instituições que não param.
Lá embaixo, gente preparada para sumir com corpos, com
gente, com mortos esfacelados. Lá em cima, gente treinada para
abafar a mídia, driblar jornais, revistas, e os críticos mais acirrados.
Dizem que alguns jazem entre paredes, gente misturada ao
cimento e à brita dos palácios. Candangos desaparecidos antes
mesmo da ditadura. Conterrâneos meus, seus, nossos. Conterrâneos
velhos de exploração e de sofrimento. Conterrâneos velhos
de guerra.


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Lourenço Dutra

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