terça-feira, 13 de março de 2012

Fale somente o indispensável


Dentro de um ônibus, ela está sentada em um banco.
Ele entra e, ao passar pela roleta, vê ela sentada. Sente um frio na espinha. Quando ela percebe a entrada dele, congela. Desvia o olhar, esperando que ele não perceba sua presença ali.
Tarde demais: ele vai em direção ao banco onde ela está, fazendo-a olhar pela janela, numa tentativa de ignorar a aproximação dele.
- Oi.
- Oi...
- Queria te dizer algumas coisas.
Ele senta ao lado dela. Ela tenta resistir.
- Mas não quero que você me interrompa. É só um pedido.
Silêncio.
- Quero te pedir hoje pra me deixar sair da sua vida. É, normalmente, espera-se que alguém peça pra não ser abandonado. Eu quero que você me deixe sair da sua vida. Eu só sei viver sem você. Você me consumiu, sugou minha alma durante a nossa relação. Hoje, vivo muito feliz. E, ainda que eu esteja triste, sempre estou mais feliz do que quando estávamos juntos. Não tem um dia em que eu não pense nisso. Sou muito mais feliz sem você. E você acha que fazer esse tipo barato de terrorismo psicológico faz de você uma vingadora das mulheres oprimidas. Desculpa, não faz. Isso só te faz idiota. Não, não te faz infantil. É realmente idiota. As mulheres oprimidas deveriam se envergonhar de você. Das suas ações e dos papeis aos quais você se presta. Mas, convenhamos, isso é um problema seu, não é? Seu e das mulheres oprimidas. Você nunca foi genial. Não vai ser agora, em meio a esse surto, que vai se tornar. Concorda comigo? Só acho que você devia procurar ajuda. Mas isso é só a minha opinião. Deixa eu ficar completamente fora da sua vida. Arruma alguém que te aguente, que suporte esses seus problemas. Sua vida vai ser muito melhor. Isso, sem parar pra pensar na minha. Lá atrás, quando tudo isso começou, ou deveria ter acabado, você disse que eu não prestava, que estava te abandonando, quando, na verdade, você quis acabar com tudo. Acabou e você resolveu me transformar em um monstro. Tá certo, aceito o papel. Mas, porra, por que você não me ignora, esquece de mim, sei lá, qualquer coisa? Me joga no esquecimento. Vou te pedir, em nome da sua sanidade, antes que você fique completamente louca, antes que você precise de internação, porque acho que já precisa de remédios, deixa eu sair da sua vida. Você quis que eu saísse. Deixa eu cumprir sua vontade. Em paz.
Ela abaixa a cabeça.
Todos ao redor observam a cena, incrédulos. Faz-se um silêncio interminável. É quando um sinal sonoro o faz despertar. A cobradora pede que ele passe logo pela roleta. Ele passa.
Olha novamente pelo corredor.
Ela está lá, sentada no banco. Ele caminha até um banco ao lado dela e senta. A partir daí, tem início mais um silêncio interminável. Ela tenta manter os olhos na janela, enquanto ele olha fixamente na direção dela, como em uma provocação.
É quando percebe que seu destino.
Ele levanta e toca a campainha. O ônibus para e ele desce.
Sem olhar para trás.


Um comentário:

Júlio disse...

Aquele pseudo-papinho no começo é um pouco chato e manjado, mas gostei muito do jeito que terminou. Não é nada de inovador, mas achei foda mesmo.