terça-feira, 13 de novembro de 2012

BIM BOM

    Eu estava preparado mentalmente, seria uma batalha, mas eu precisava vencer. Acordei bem naquele dia, depois de uma boa noite de sono sem interrupção nenhuma. Era sábado de manhã, sol, temperatura boa em torno de uns 23 graus, mais ou menos 9 horas. Podia ver pela janela que o dia era lindo, manhã perfeita para um joguinho de tênis, mas eu não podia deixar de cumprir minha missão planejada durante a semana toda.
    A cadeira estava lá, bem confortável, na frente do computador, com o telefone viva-voz com bateria carregada, internet ligada, todos os meus documentos digitalizados, para fácil acesso. Além disso, tinha amendoim, biscoitinhos, água, tudo preparado. Não sabia quanto tempo aquilo poderia levar. Levantei da cama, ainda de shorts sem cueca por baixo, ou seja, conforto total! Liguei o computador, peguei o número, apertei o botão para pegar linha no aparelho de telefone e fiz a ligação. A sorte estava lançada.
    Do outro lado, lá veio a gravação:
-    Obrigado por ligar para a Bim Celular, escolha uma das opções a seguir. Sua ligação é muito importante para nós.
Não há nada mais cínico que mensagens de `carinho` de centrais telefônicas de empresas de telefonia, eu sabia ali naquele ponto que o jogo estava começando. Um jogo tenso, de paciência, movimentos precisos, um xadrez de altíssimo nível com direito a canelada embaixo da mesa. Eu segui as instruções com muita calma e tensão. A qualquer movimento mais brusco ou tecla errada ou frase imprópria, a ligação pode cair ou ficar mudo o user transferido para o vale das almas que vagam pela opção errada dos call centers, ou centrais de atendimento.
Eu consegui me mover bem no começo e driblar o atendimento automático até ali tinha sido fácil. Depois de escolher a opção Cancelamento, ouvi a frase amedrontadora:
-    Sua ligação será transferida para um de nossos consultores, por favor, aguarde.
Eu gelei, mas me segurei na cadeira e comecei a jogar Tetris e transferi o aparelho para o viva-voz para acompanhar a música até o atendimento. Lá pela terceira partida de Tetris (e eu sou bom em Tetris), um barulho e uma voz humana:
-    Bom dia, setor de cancelamentos, com quem estou falando? Por favor, número de cadastro na Bim de trás para frente, data de aniversário no formato romano, quem matou Odete Roitman, artilheiro do Brasil na copa de 1958, notação simples do fenilpropileno reagindo com cloreto de amônia e os três últimos dígitos do seu CPF multiplicado por 7,1.
Eu pude sentir um silêncio demoníaco do outro lado, mas eu estava preparado. Já tinha ouvido aquele mesmo pedido em uma ligação anterior durante a semana. Respostas dadas e 2 segundos de silêncio ao que ouvi a voz humana de novo:
-    Muito obrigado pelas informações corretas, senhor. Elas são importantes para sua segurança.
Aquelas últimas três palavras ecoaram em minha cabeça e me lembrei daquela música dos anos 80… `para sua segurança….`, mas em menos de 1 segundo, reagi e evitei o golpe da desligada na cara. Era mais uma tentativa de me impedir de concluir a missão. Então falei rápido, mas sem mostrar ansiedade:
-    Por gentileza, gostaria de cancelar meu celular com a Bim.
Aquele era um momento crucial, eles sabiam agora que eu estava no ataque e tinha furado o primeiro bloqueio. A voz tenebrosa disse sem mais comentários:
-    O senhor será trasnferido para o setor de controle de qualidade para podermos registrar os motivos do seu cancelamento. Por favor, aguarde. Lembre-se que todas as ligações serão gravadas e utilizadas contra o senhor em caso de quaisquer dúvidas, conflitos ou problemas posteriores, além de publicadas na internet de forma anônima com seu nome, caso possamos fazer graça da sua cara.
Eu respirei fundo, era mais uma peça do xadrez que era derrubada, senti que tinha perdido uma torre. Precisava resistir, viva-voz de novo, 9:45, silêncio na casa, comecei agora com uma navegada nos jornais pela internet. Depois de mais ou menos 13 músicas ouvidas, um estalo na linha. Tremi. Segurei o mouse com força. Ouvi outra voz, era uma voz suave, quase angelical. Ela disse:
-    Senhor, bom dia, estamos aqui no setor de controle de qualidade e queremos que o senhor saiba que você é um cliente valioso para nós, que prezamos a sua escolha em utilizar nossos serviços e que gostaríamos de fazer com que sua experiência conosco fosse adiante querendo saber nesse momento como podemos fazê-lo ficar. E, nesse sentido, gostaríamos de saber o motivo do cancelamento.
Aquela sequência de palavras suaves com um tom leve e doce quase me hipnotizaram depois de 55 minutos aguardando, mas eu estava focado, aquele dia era um dia diferente, estava preparado para um sábado inteiro de batalha. Confesso que estava vivendo algo novo, não tinha ainda chegado naquela fase da batalha antes e aquela pergunta era quase um cheque contra meu esquadrão de peças no tabuleiro daquela ligação de Guerra.
    Eu tinha um motivo, mas precisava agir com cuidado, muito cuidado. Dizem que no tênis, o que separa um grande vencedor do perdedor é a reação dele naquele segundo que antecede como ela vai bater aquela bola a mais. Ele vai bater mirando a quina da quadra com força total ou ele vai passar a bola de novo aguardando o erro do adversário? Eu tinha que agir.
    Comecei minha resposta. O motivo.
-    Senhora, na verdade, hoje é um dia especial para mim e logo depois que eu acordei, eu refleti um pouco, tendo tido uma ótima noite de sono, e por algum motivo quase que inexplicável eu tive uma visão, algo quase celestial. Pude apenas espreguiçar, abrir bem os olhos e decidi de forma definitiva e com muita certeza sem explicações e teses técnicas nem compreensíveis pela humanidade ou qualquer ser inteligente, que hoje eu iria e deveria, por motivos sobrenaturais de vozes interiores e cósmicas, ligar para a Bim e cancelar meu celular. Foi isso. Apenas isso.
O silêncio me corroia. Dois segundos se passaram e ouvi a voz do outro lado:
-    O senhor pode anotar o número do protocolo de cancelamento, por favor?
Cheque-mate! 

Nenhum comentário: