Na esquina havia um boteco
improvisado. João Carlos cuidava do pé-sujo. Fazia cachorro-quente, vendia
cerveja gelada e por fora fornecia maconha e cocaína, batizadas, mas muito
apreciadas pelos incautos da madrugada. Apesar de tudo, tinha uma clientela
grande e fiel. A rua suja, mal iluminada, fedendo a vômito, esgoto e perfume
barato, abrigava prostitutas e ladrões.
Agneta chegava quase sempre
depois das onze da noite. Dividia a esquina com outras três putas: duas irmãs
adotivas que pintavam o cabelo de loiro, quando a
grana permitia, e um travesti, vindo do Maranhão. A
bicha só sabia reclamar da mãe velha, bêbada e doente
que tinha que sustentar. Ali fizeram amizade.
– Ei Joca, me dá um teco
ai? Te pago com boquete, que tal? Agneta
tentava seduzir o pobre João Carlos, o Joca para os íntimos. O vendedor já beirava os 60 anos e tinha família enorme pra
sustentar.
– Dá não, respondia. Posso
adiantar um dog, quer?
– Que cachorro o quê? Quero
é cheirar, encher a fuça de pó, rebatia Agneta. E ao Joca restava sorrir meio
sem graça, quase amarelo.
Naquela noite, um
carro caindo aos pedaços dobrou a outra esquina e dentro dois homens. Pareciam recém-saídos
do trabalho em uma obra. Olhavam em volta. Tinham as mãos sujas de terra,
cimento e cal. Passaram pelo ponto devagar. Pararam logo em seguida e Andreza, ou
melhor, Paulo José, a bicha do Maranhão, não
perdeu tempo e se jogou na janela do carro.
– E ai? Programinha à “trêixxx”? Faço gostoso,
enfatizou.
– Não dona, a
gente quer conversar com a magrela ali do canto.
Agneta sentiu
todos os olhares voltados para ela. Cabelo preto, pele branca, bota de
salto alto, batom exagerado e magérrima. Era ela.
– Vamos? Disse Agneta sem
muita convicção.
– Vamos princesa! Em coro,
responderam os dois. E foram.
O hotel era o mesmo de
sempre. Quarto 520. Agneta
já conhecia o gerente, o porteiro, a camareira. Já tinha transado com todos. Menos com o cozinheiro, que também era bicha e cagava pra
sedução da gótica magricela que se insinuava toda vez que ia tomar café
da manhã. Ocasião em que ela sempre comia dois pães
com mortadela e um copo de café com um dedo de leite. Pedia um suco e
ela e Paulo José, a travesti Andreza,, riam muito da tentativa do cozinheiro de
provar que o “Tang” era suco natural.
Foi nesse hotel sujo e
barato que ela chegou com os dois homens.
No quarto eles contaram
que eram irmãos. Agneta foi sedutoramente tirando a roupa quando um deles deu-lhe
um tapa na cara. Foi tão inesperado que ela desequilibrou e caiu na cama. Os dois
foram pra cima dela, bateram novamente. Agneta não chorou, não reclamou, sorriu
e disse:
– É isso que vocês querem?
Então batam com mais força. Vamos lá! Disse com um sorriso safado. Os dois
ficaram sem ação, como se o jogo tivesse acabado de se inverter. Agneta continuou
provocando e eles comeram
a prostituta barata como se cometessem um estupro. Com a diferença de que ela estava
se divertindo mais do que eles.
Agneta gritava e gemia
feito louca. Ela percebeu que os homens estavam surpresos. A impressão era de
que aquilo nunca tinha acontecido antes. Ela ficou de quatro, se empinou e
pediu para os dois entrarem nela ao mesmo tempo. Os dois irmãos, incrédulos, suados
e babando, gozaram sem camisinha. Rapidamente. Ao terminarem o serviço apenas
vestiram as calças e saíram, em silêncio.
Agneta ainda controlava o
fôlego quando eles deixaram o dinheiro em cima da mesinha ao lado da cama. Bateram
a porta. Agneta limpou o sangue no canto da boca. Eles bateram com muita força.
O olho estava inchado. Ela fumou o último cigarro, cheirou duas carreiras da
coca batizada do Joca e saiu. A gótica maltrapilha voltou para o ponto.
Lá encontrou Cassiana, uma
das irmãs loiras, a gorda, e perguntou se ela tinha cliente:
– Nada. A Catilene – a irmã bonita –
saiu com um playboy que disse que não tinha dinheiro
pra nós duas, respondeu a colega mordendo o lábio e arrumando o cabelo.
– Cassiana, quanto você cobra? A
menina deu o preço, com e sem camisinha, com e sem
anal.
Agneta falou:
– Te pago o dobro, vai comigo, agora? E ela foi.
Voltaram ao hotel, ao
quarto 520 que ainda cheirava a sexo e cigarro. Transaram até de manhã. Nenhuma
das duas cansou. A cocaína fazia a parte dela. Em meio à farra, Cassiana
perguntou quanto Agneta cobrava.
– Só por curiosidade,
explicou a gorda.
– Pra você, dou de graça! E voltaram
as duas a se comer. Agneta gemia, de prazer e de dor,
seus lábios estavam ainda mais roxos.
Cansadas, dormiram. Agneta
acordou com o celular tocando dentro da bolsa. A boca seca conseguiu gritar:
– Caralho! Estou atrasada. Tenho que
ir embora! Acorda Cassiana.
Agneta vestiu a roupa,
saiu correndo pelo hotel, o carpete velho levantava poeira. Ela tropeçou numa
ponta da escada e quase quebrou o pé. A outra puta corria atrás com sapatos na
mão e dobrou a esquina antes de Agneta conseguir entrar num carro e sair às
pressas.
Joca guardava o dinheiro e
o espólio de mais uma madrugada fria quando viu um carrão passar correndo. Dentro
do tal carrão, Agneta dirigia nervosa e ao mesmo tempo tentava trocar o casaco.
Joca estranhou “nunca pensei que essa
puta gótica tivesse um carro desses”, pensou Joca. “Dog grátis nunca mais”, sentenciou.
Ao mesmo tempo os dois
homens da noite anterior, os tais que comeram Agneta, faziam o que
realmente sabiam fazer: pediam esmolas no semáforo da rua principal. Agneta
parou no sinal. Os dois reconheceram a puta e enfiaram a cara no vidro aberto
do carro.
– Acho que você gostou de
sentir nós dois, hein, dona? Comentou um deles.
– Ah merda, saiam da
frente, gritou Agneta enquanto acelerava o carro.
Ela conseguiu sumir na rua
em alta velocidade. Os dois homens quase foram atropelados, chamando a atenção
de quem estava por perto.
A respeitável doutora Agneta
chegou atrasada no hospital onde era a médica principal do ambulatório. A secretária
estranhou o cabelo desgrenhado e os enormes óculos escuros, que tentavam
esconder o rosto pálido e machucado. Optou não comentar nada, a doutora Agneta
era muito mal humorada. Herdeira de um dos homens mais ricos da cidade
trabalhava no hospital público só por diversão, ou punição a si mesma - como
gostava de dizer. E por prazer mantinha os programas como principal prostituta
do boteco do Joca.
O dia passou normalmente,
apesar da dor depois da surra. Agneta não pensou nem em Cassiana, nem nos dois
homens sujos de cal.
Foi para casa descansar e
no outro dia conseguiu chegar no horário correto. O expediente começou com a Dra.
Agneta lendo o jornal enquanto comia croassant
e bebia capuccino na cafeteria: "Polícia finalmente encontra os irmãos que torturavam,
esquartejavam e enterravam as vítimas em lápides
improvisadas de cimento e pintadas de cal. As vítimas eram prostitutas que
apanhavam até a morte. Os homens foram denunciados por um vendedor de
cachorro-quente que reconheceu os dois quando tentavam roubar o carro de uma
importante médica da cidade".
Agneta engasgou com o
café e do lábio escorreu mais um fio de sangue.
* imagem do site tralhasegifs.blogspot.com.br
3 comentários:
joca? joão carlos? hehehe.
tu tá prolixa, hein?! escrevendo pra caramba.
mais uma coisa boa
Parabéns, o blog é muito legal. Vou acompanhar as atualizações.
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