Ele ainda não consegue falar muita coisa, mas já
nos comunicamos perfeitamente.
- João, olha os passarinhos.
- uh?
- perto das flores.
- uh!
- E veja o Auau.
- Auau. – Ele abre os braços e o sorriso que me
derrete.
- quer beber água?
- água.
Coloco a mamadeira em sua boca e ele dá só um
golinho, depois outro, repete várias vezes. Parece comigo quando birito uma
cachacinha.
- você quer comer alguma coisa, joão?
- uh?
- comer?
- uh?
- você quer nhame-nhame?
É aquele sorrisão e a resposta: - nhame-nhame
nhame-nhame.
Dou uma fruta de petisco. Ele sempre estranha os
novos sabores, mas prova, sabe que pode confiar no que ofereço. Quando gosta, repete ”nhame-nhame”, mas se
não gosta, pede água e prova de novo. Fecha o cenho, me olha e come até o fim.
Confiança.
- como foi seu dia, meu filho?
- uh?
- tem curtido essa onda de ser um bebê?
- uh?
- vamos brincar de rasgar papel?
- uh?
- o que você quer fazer?
Ele repete o “uh” e suspira, se cansa de pensar em
tantas palavras difíceis, parece comigo quando tento conversar em inglês, é
realmente estafante.
- João, olha o vovô João.
Os olhinhos se arregalam ao notar o homenzarrão de
cabelos compridos, longa barba branca e uma enorme cabeça que impõe respeito.
Me agarra os braços e se encolhe.
- calma, filhote. É o vovô João. Veja, vou pegar na
barba dele.
Ele faz uma cara de espanto, como se eu estivesse
me arriscando em algo assustador. Não cede às brincadeiras do vovô, ainda tem
medo do meu velho.
No fim de semana encontramos um casal de amigos.
Apresentei o João à Fernanda e ele, sempre simpático, sorriu, mas quando o
mostrei ao amigo João Barbosa, ele se encolheu.
- calma, João. Este é o tio João. Ele se parece com
o vovô João, lembra? É grandão também, tem cabeção e barba branca como o vovô.
- uh? – Os olhinhos ainda estavam arregalados.
- veja, vou pegar na barba dele.
Então abriu o berreiro. Me puxou o braço como se
falasse: “tira a mão da boca desse monstro, papai”.
- calma, meu filho. É só o tio João. Veja, é amigo
do papai. – Mais puxões na barba. – é o tio João, parecido com o vovô João.
Ele se acalmou, mas continuou alerta. Eu o sentei
no sofá.
- tá mais tranquilo, neném João?
Pude jurar que ele fez umas avaliações mentais
antes de escancarar novamente a boca num choro ressentido. Era como se me dissesse:
“o vovô João é aquele monstro com cabelos no rosto. O tio João é este gigante com
a cara peluda. E eu sou o neném João. Será que vou me transformar num João
grandão, cabeçudo e cabeludo como eles? Nãããooo...”.
- calma, João.
– Eu ri, mas não dele, foi pela satisfação com sua inteligência. -Grandão,
cabeçudinho e cabeludo você já é, filhote, mas é muito mais bonito que os
outros joões por ai.
- uh?
- Já te contei, filho, que Giovani em italiano é
João?
Ele me olhou, tremeu os lábios e buáááá.
Quando voltei pra casa, raspei a barba de domingo e
penteei os cabelos. Ele fala pouco, mas nos entendemos muito bem.
7 comentários:
Belo texto e bem humorado, é possível imaginar toda a situação. Um momento único e ao mesmo tempo que faz parte do cotidiano dos pais e mães por aí. Parabéns!
obrigado, senhoritas.
...essa possibilidade de interpretação do que o bebê pensa ou diz é espetacular e somente estando ligado e conectado nele para conseguir,
a maioria dos pais não tem essa honra, parabéns!
valeu, me.
João filosofa. "Uh" é mais que suficiente para nos entendermos bem. Ele sabe e entende tudo. E nós, que nos falamos em tantas línguas, nem aprendemos a ser gente ainda, João. Obrigada pela lição de humanidade, Gió. Uh!
Lindinho demais!!!
obrigado, queridas.
um filho é realmente uma lição de vida.
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