Em uma loja de ferragens
na Rua República do Peru, em Copacabana, vive Bradock, o gato mais tranquilo,
ousaria dizer zen, que eu tive oportunidade de conhecer – e olhem que eu
conheço uma infinidade de bichanos pois sou daqueles que cultivo o estranho
hábito de conversar com gatos de rua. Acho que já até escutei de rabicho de
ouvido, alguém se referir a mim pelo bairro como “aquele sujeito meio maluco
que fala com tudo quanto é gato”. Mas voltando ao Bradock e deixando de lado os
outros felinos com quem travo amizade, dá gosto ver como ele consegue manter a
paz de espírito tendo ao seu redor todo o caos urbano que só Copacabana é capaz
de proporcionar.
Bradock é altamente
sociável. Qualquer pessoa que entre na loja de ferragens por ele é bem
recebido, seja enroscando-se nos tornozelos do cliente ou deixando algum frequentador
acariciar o seu pêlo, ainda lustroso apesar da idade, pois Bradock já aparenta
ser um senhor contando com mais de 10 dez anos de vida. Seu local predileto é o
balcão da loja, onde ele permanece em uma atitude zen, totalmente contrária ao
seu bélico nome, dado em homenagem a um Rambo de ocasião, deitando de lado,
sacudindo em pêndulo o rabo tigrado. Ele é capaz de permanecer assim por horas,
até que algum funcionário gentilmente o coloque no chão para poder utilizar-se do
balcão. Certos moradores da região, nos quais eu me incluo, eventualmente dão
uma chegada na loja não em busca de um parafuso, ferramenta o seja lá o que
for, mas sim com o mero objetivo de fazer-lhe um agrado, brincar um pouquinho
com aquele simpático pedacinho de selva.
Nunca o vi em atitude
agressiva, dentes à mostra, miado intimidador ou pelo eriçado. Tal
comportamento não combina com Bradock. Quando ele se aventura pela calçada em
frente à loja e lá fica sentado sob as patas traseiras como uma pequena esfinge
felina, o movimento dos pedestres lhe é indiferente. Somente a ação de um
cachorro mais agressivo o faz sair do seu quase estado de “meditação” e, nessas
ocasiões em que o perigo se torna iminente, prefere o aconchego da loja ao
duelo com ofensor de quatro patas e, movido por fantástica habilidade, traça um
caminho de fuga sempre bem sucedido. Minutos depois, retorna a calçada e lá
permanece, sem aparentar medo, ou rancores.
Para Bradock, a vida é
bela, simples e merece ser bem vivida. Se todos os humanos fossem tão zens como
você, meu caro amigo felino, talvez o mundo fosse um pouco melhor.
Falando em gatos e em
atitudes zen, vai aqui uma pequena história envolvendo bichanos e religião
budista como encerramento.
Conta-se que num mosteiro
distante, um grupo de monges budistas era sempre incomodado por um gato durante
as orações. Atormentados por seus miados, eles resolveram amarrar e amordaçar o
pobre animal ao início das sessões de meditação. Passaram-se os anos e o gato
morreu, sendo substituído por outro, que também era amarrado e amordaçado. Esta
atitude tornou-se uma tradição entre os monges. Um século depois, surgiu uma
série de tratados filosóficos sobre a necessidade de se amarrar um gato antes
do início da prática da meditação zen.
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