quinta-feira, 19 de março de 2015

Números, números, números...


Anésio desde criança se interessava por números. Ainda muito pequeno, aos 5 anos de idade, já sabia efetuar somas e subtrações com uma precisão invejável. Ao entrar na escola, Anésio começou também a memorizar datas com números. Era sempre o mais solicitado a dar cola aos colegas em qualquer prova onde um número fosse importante:

- Anésio, que dia começou a guerra de Canudos?
- 05/10/97
- Valeu!

Mas às vezes os colegas de Anésio se davam mal. Como neste caso de Canudos, que o Virgílio anotou 97 como 1997, e na verdade tratava-se de 1897. Anésio foi ficando chateado que seus colegas, que se diziam seus amigos, só o procuravam na hora de saber um número em algum teste. Além é claro, dos professores, que começaram a trocar o Anésio de lugar na hora das provas, deixando-o sempre com sua carteira encostada rente à parede.
Apesar destes pequenos inconvenientes na escola, Anésio se dava muito bem com sua família. Sua mãe, por exemplo, admirava a sabedoria do filho e ficava ainda mais contente quando precisava saber o aniversário de alguém, como o de algum parente. A resposta, é claro, sempre saía como um míssil da boca de Anésio:

- Nezinho, que dia a Carla está de aniversário?
- A Carla manicure, a Carla prima ou aquela que fazia faxina aqui em casa?
- Uau... – sua mãe ainda se espantava às vezes – A prima, Nezinho.
- 06 de fevereiro. Aquariana como o pai, o João da oficina, minhas colegas Daiane, Elisa, o Sandoval, o Péricles...
- Tá bom, tá bom meu filho. Obrigado. Não força tanto esta cabecinha... Deixa pra hora das provas, deixa...

Foi graças aos números que Anésio conseguiu entrar para o time de futebol da escola. Mesmo não se dando muito bem com a bola, Anésio era muito útil para o seu técnico Ismael, que sempre recorria à excelente memória de seu ilustre ‘último reserva’:

- Anésio, quantas bolas tinham no saco quando eu cheguei?
- Catorze bolas cheias e duas semi-murchas professor!
- Então tem alguém pegando bola aqui sem pedir. Quem foi?

Ou também, quando alguns dos meninos do time esqueciam o documento de identidade na hora de um jogo:

- Anésio, o Maicon esqueceu a identidade. Lembra do número?
- O Maicon? 4 ponto 278 ponto 719 barra 6.
- Muito obrigado, Anésio! Você salvou o time hoje! Qualquer hora dessas ponho você para jogar, campeão!

O que, a bem da verdade, nunca aconteceu.

O tempo foi passando e Anésio entrou para a faculdade de Matemática. Como todo jovem que se preza, Anésio começou a flertar com as garotas e teve seus primeiros encontros. Mas até ele conquistar a sua primeira namorada, não foi nada fácil. As meninas sempre acharam aquele hábito de lembrar tudo que é número um pouco demais. Como na vez em que Anésio foi ao cinema com a Mônica, pela primeira vez. Ao chegarem, ela perguntou:

- Será que esse filme já está passando há muito tempo, Anésio?
- Desde sexta-feira, 19 de maio. Com sessões às 14, 18:30 e 21:30 de segunda à sexta. Nos finais de semana, sessões extras às 16:15 e às 20:00 horas.
- Nossa...

Essa primeira informação até havia impressionado a Mônica, mas ao final da sessão, a situação já era bem diferente. Anésio não se contentou enquanto não contou todas as pessoas que entraram na sala, e ficou importunando o gerente do cinema ao final do filme para saber quantos pagantes realmente havia naquela sessão – se eram 58, 59 ou 60, pois alguém havia entrado tarde na sessão, possivelmente duas pessoas, e ainda por cima, em momentos separados.

Após outras tentativas amorosas frustradas, Anésio finalmente encontrou a sua metade da laranja. Hoje, vive casado e trabalha no IBGE, fazendo relatórios e pesquisas de campo. Dizem as más línguas que a mulher do Anésio, que é dona de casa, tem o hábito de ficar conversando com as plantas e com os animais durante o dia.

E com Anésio também, assim que ele chega do trabalho.

2 comentários:

Cleide disse...

Nem sempre a imagem que transmitimos para as pessoas revela o que realmente somos. Muitas vezes não nos damos conta de que podemos estar sendo mal interpretados.
Adoro ler suas crônicas você deixa o leitor refletir sobre o que esta sendo escrito, e muitas vezes é o que se está vivenciando! Parabéns bj!Cleide

André Bortolon disse...

Muito obrigado Cleide! Um grande beijo!