quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O Primeiro

José Hilário havia constituído um pequeno império para si. Na vida política há aproximadamente trinta anos, o atual senador da república não precisava mais trabalhar para viver. Mas seguia no poder, como muitos de seu tipo. Aquela sensação de poder o fazia sentir-se másculo, maiúsculo. Poderoso. Bem quisto por onde passava. Com uma infinidade de regalias, e com advogados do mais alto calibre trabalhando a seu favor, José Hilário iria provavelmente morrer na política – isso era o que ele mesmo pensava, o mesmo para quem o conhecia de perto.
Envolvido em vários escândalos ao longo de sua vida, alguns dos quais já de domínio público – como por exemplo, o das propinas, ou o do desvio de verbas ao longo de mandatos passados - o senador ainda assim podia contar com uma generosa multidão de eleitores em cada eleição, além de seus assessores treinados, que faziam tudo como o senador queria. Já com seus filhos legítimos "feitos na vida", mantendo um casamento de trinta e poucos anos só de fachada, o senador parecia naquela semana querer levar uma vida “mais normal”, sem a tradicional importunação de sempre. Tanto que, sua secretária sabia, seu braço direito também: “o senador José Hilário só tem algum horário em sua agenda para, talvez, semana que vem...”
Logo que chegou ao seu luxuoso apartamento, José Hilário desfez o nó em sua gravata, e preparou para si uma dose generosa de uísque escocês dezoito anos. Atravessou a ampla sala, passou o corredor e foi para a sua suíte, afim de tomar um demorado banho em sua jacuzzi. Não sem antes colocar ao som do home theater de seu quarto a sua coletânea de Frank Sinatra. Agora sim: um banho para deixar o senador pronto para, quem sabe mais tarde, uma de suas amantes novinhas. Olhou em seu Rolex, que mostrava apenas cinco horas da tarde. Quando o senador acionou o botão do controle que abria a cortina automática, com a vista envidraçada de uma Brasília ensolarada se anunciando, subitamente a cortina cessou o seu movimento, deixando apenas uma pequena fresta de sol à mostra. José Hilário estranhou e, ao pegar o controle remoto para repetir o processo, uma voz disse:
- Não adianta tentar.
Na hora José Hilário por pouco não deixou cair o copo que estava na outra mão. Seguido ao susto veio a excitação, e um tremor incontrolável que emanava do corpo do senador.
- O quê?!
- Aqui. – disse a voz.
José Hilário então viu, no canto esquerdo logo ao final da grande cortina, imerso entre sombras, um homem sentado ali em sua poltrona.
- É melhor sem claridade. A que tem assim já é suficiente para eu ver você. É só o que eu preciso...
José Hilário virou a cabeça para a porta, pensou em seu celular “onde estaria?” e julgou tratar-se de um assalto.
- Senta. Aí no canto da cama mesmo. E não tenta nada... – nesta hora José viu brilhar uma pistola automática, no punho do homem sentado; que, além de estar no ponto mais escuro do quarto, trajava roupa preta e o que parecia ser uma balaclava, dificultando ainda mais a tarefa de enxergar o seu rosto. Resignado, apenas obedeceu.
- OK. Você tem o controle da situação. Eu vou te dar tudo o que eu puder de dinheiro. – José virou um gole grande de seu copo de uísque, tentando com isso diminuir a tremedeira. Pensou fingir-se de morto, fingir um enfarte, algo do gênero. Tudo muito rápido. Até seu pensamento ser interrompido pela voz do homem:
- Não estou aqui pelo dinheiro. Estou aqui por você.
- O quê? Como? Quem te mandou? Quem quer me matar? Não pode, isso é coisa do PSDB? Não... Ei, eu te pago o dobro do que te pagaram! – José tentava ganhar tempo e pensar em algo, algo que o livrasse desta situação. Sim, algum rival político havia arquitetado o seu assassinato! Só podia ser.
- Não quero seu dinheiro.
- Como não? Posso te deixar muito rico!
- EI, SILÊNCIO!!! – o homem que seguia sentado empunhando sua pistola gritara pela primeira vez.
- Desculpe, eu...
- CALA A BOCA!
Nisso, José Hilário começou a meio que choramingar, esboçando palavras ininteligíveis, olhando para o seu carpete, e ainda pensando o que ele poderia fazer para defender-se do tal assassino – que, por sua vez, acabara de ajustar um silenciador na ponta de sua arma. Quando José olhou, de canto de olho para o homem, ouviu:
- Olhe para mim agora.
- Desculpe... quem é você?
- Eu sou um representante do EEPR. O senhor conhece?
- EEPR? Hum, é um partido, meu filho? Ai, meu Deus, estou tendo um sopro no meu coração... você já tá me matando fazendo isso, por favor...
- O EEPR, seu José, é a sigla para “Esquadrão de Extermínio Pró Revolução”. Se o senhor nunca ouviu falar, é porque eu e demais membros conseguimos fazer um bom trabalho até aqui.
- O que você quer dizer? É-é um gru-grupo armado? – seu José já gaguejava. Só essa hora o político deu-se por conta que havia um pouco de uísque com a água do gelo em seu copo, o que ele virou sem titubear. “Sim, o copo!” pensou “um arremesso certeiro, em sua cabeça. Aí corro pro botão de alarme, ou me atiro ali, antes que ele comece a atirar...”
- E você, seu José, entre tantos outros, é um dos que vão pagar pelos crimes cometidos ao longo de seus mandatos. Há uma lista, bem grande, e você é o primeiro deles a ir daqui pruma melhor. No seu caso, espero que pruma pior.
- Eu sou ino-no-cente! M-meu advogado pro-provou que...
Nessa hora o homem baixou um pouco a mira da pistola, e acertou o joelho de seu José, que na hora caiu da beira da cama, perdendo sua suposta arma de defesa – o copo, que caiu pro outro lado, na cama. Seu José gritou de dor.
- Aaaiiiiiiii... aiaiaiaiai...
- Eu poderia ficar aqui vociferando contra o senhor, lhe dizendo tudo o que muito brasileiro tem preso na garganta, seu José Hilário, senador da República e tal. Mas não.
- Por favor, vamos conversar... Ai, ai... – José tinha a voz trêmula. O sangue vermelho escuro inundava uma respeitosa área do carpete, outrora claro, do quarto do senador.
- Não somos um grupo de papo. Nada do que eu falar agora vai mudar seu destino, seu José. Esse é o nosso objetivo. É isso. Usar tudo o que eu e meus companheiros aprendemos através de treinamentos, para chegar assim, de surpresa, e por um fim a tudo. E ver o que vai acontecer depois que completarmos nossos alvos. Simples assim.
Nessa hora, seu José, contorcendo-se de dor, tocou sua mão num pé do sapato que havia tirado segundos antes de tudo o que estava acontecendo. Em posição ruim, de bruços, com dois dedos trêmulos, segurou seu sapato para uma medida desesperada, buscando algo diferente, que num improvável milagre o salvasse.
- O senhor tem uma bomba nesse sapato? – perguntou o homem, que seguia sentado no sofá, ofuscado pela escuridão.
– Pois, se não tiver, devo-lhe dizer que sua hora chegou.
- Não, não... eu te-tenho diamantes! Eu... te entrego outros políticos, pe-peixes maiores que eu, eu...
- Seu José, hoje venho em nome do EEPR cumprir minha missão perante o grupo e, especialmente, dizer ao senhor... dizer a você... que eu sou o seu pesadelo. O seu inferno que chegou antes da hora. Você não tem voz nem vez comigo. Eu vou finalizar minha missão, desejando que você sinta dor, muita dor nesses últimos minutos...
- Ahhh, nãããooooo...
Nessa hora, outro tiro atingiu a barriga de José Hilário. Ao som de Frank Sinatra, com o silencioso abafando em muito o volume dos tiros da pistola, José já cuspia sangue em seu carpete. Sua visão já ia ficando turva. Aí, finalmente o homem se levantou, e deu dois passos à frente, deixando um pouco da claridade mostrar seus olhos e nariz. Era um homem grande, de porte. Mas José já não atinava direito. Na busca por alguma coisa que o salvasse, já havia perdido muito sangue, pela barriga, boca e joelho. O homem só baixou a mira, e com um tiro certeiro estourou o crânio de José Hilário.
Guardou sua pistola, e para não pisar na poça de sangue que recém se formara à sua frente, desviou dela, andando sobre a cama king size; deu ainda um chutinho no copo de uísque vazio que se encontrava lá, para deixar o quarto do agora defunto ex-senador, José Hilário.



*****Olá a todos leitores e leitoras que visitam o Bar do Escritor! Esta história tem continuação, e quem quiser conhecê-la, a partir da próxima semana você poderá ler sua continuação no Wattpad. É só entrar lá e me seguir! Obrigado*****

4 comentários:

Adalgisa disse...

André, muito bom, lembrou as crônicas de Rubem Alves... impactante, curiosa para ler a continuidade. Abraço

Cleide disse...

Muito bom ! Deixa o leitor com vontade de ler e saber o que irá acontecer ! Parabéns querido!

André Bortolon disse...

Obrigado, Leide!

André Bortolon disse...

Valeu, mãe!!