terça-feira, 19 de julho de 2016

Bush Doctor

Arnaldo saiu de casa no horário de sempre. Banho tomado, cabelo penteado e baseado enrolado. Entrou no carro, selecionou no seu pen drive a sua coletânea preferida do Bob Marley, ligou o ar condicionado no talo e seguiu o seu tradicional trajeto da semana, por entre as ruas da cidade.

Arnaldo já sabia o tempo de percurso, tanto que sabiamente fechava o seu baseado tamanho extra large para, metricamente, fumar metade no caminho de ida, e a outra metade na volta. Sempre atento aos policiais ou guardas de trânsito, Arnaldo já tinha tanto a manha da coisa que escondia por entre seus dedos o cigarro de maconha de uma forma que poucos, ou ninguém, conseguiria perceber de fora o que era. Além de quê, seu carro tinha película e, devido ao calor tropical de sua cidade, Arnaldo sempre dirigia com os vidros fechados.

Na batida do reggae, Arnaldo prensava sua cannabis e viajava ao som do rei. Nada tirava-o do sério durante o seu ritual matinal. O trânsito, o stress, as discussões, tudo ficava de lado nessa hora. Absolutamente nada fazia Arnaldo perder sua calma. Apenas ele e seus dois Bobs, um no som do carro, o outro indo direto para a sua mente. Simples assim.

Quando o seu cigarro chegava à metade, Arnaldo já se punha a apaga-lo, geralmente entre as avenidas 07 de Setembro e Pedro II. A partir dali, se nada de anormal acontecesse, eram menos de quinze minutos até o seu destino final. Tempo para mascar um chiclete, e olhar no retrovisor a vermelhidão dos olhos. Mesmo tendo mais horas de fumo do que urubu tem de voo, Arnaldo ainda achava graça em olhar a si mesmo com as pupilas dilatadas – assim como quando era adolescente, antes ainda de entrar para a faculdade, quando Arnaldo fumara seus primeiros beques. Sim, Arnaldo parecia não perder aquele seu lado infantil, mesmo já estando perto dos quarenta – afinal, para ele, aquilo sim era a mais pura alegria.

Ao estacionar seu carro na vaga de sempre, Arnaldo pegou o colírio e pingou em seus olhos. Borrifou um pouco de perfume por entre os dedos e pelo pescoço e entrou no prédio comercial. Ao chegar no consultório, foi já de cara avisado pela secretária:

- Bom dia Doutor Arnaldo! Bem, são cinco pacientes agendados para a manhã, e quatro para a tarde de hoje. Isso se o seu Azevedo não aparecer aqui lá pelas duas horas. Aí já viu né... o que digo pra ele?

- Diga que espere. Se ele quiser uma reconsulta, vai ter de pagar. Não adianta querer fazer pelo plano, viu?

- Ah, vou dizer pra ele. Nossa, já estou até vendo a cara dele... Bem, já deixei seu chá gelado no frigobar e o café expresso na sua mesa, doutor Arnaldo. A primeira paciente já deve estar chegando...

- Obrigado, Marialva. Até mais!

Arnaldo entrou em seu consultório e ficou cantarolando a última música que escutara no carro. Bebericou o café e viajou o que pôde, até que sua primeira paciente chegasse e acabasse com sua festinha particular.


3 comentários:

Cleide disse...

André , é lamentável algumas situações que acontecem em nosso cotidiano! Beijo querido!

André Bortolon disse...

É verdade! Pior é que acontece, viu??

Adalgisa disse...

Concordo com vocês, André e Cleide