terça-feira, 6 de março de 2007

Caroline - Série Bonecas de Papel

(foto: Alex Costa)

Por muito tempo reservei-me ao silêncio, nunca gostei de falar muito sobre minhas divagações, sobre minhas preferências, sobre meus interesses. Sempre que me atrevia a fazê-lo, consideravam-me uma perdida. Não que seja uma mulher à frente de meu tempo, nem tão pouco minhas visões sobre o mundo sejam diferentes da maioria das outras pessoas, a verdade é uma só, olham-me torto por gostar de meninas.
Bem, acho que me interpretei mal, não tenho nada contra meninos, nem contra sua libido exagerada, e a falta controle, quando os assuntos são sexuais. Não vou generalizar, pois já conheci muitos homens que faziam sexo tão bem quanto uma mulher, mas a maioria acha que dizer “gostosa” a uma desconhecida que passa na rua é um elogio, não uma grosseria, e que algumas respondem, mesmo que caladas: “vai tomar no cu, filho da puta, nunca viu bunda não?”
Minha mãe, carola, daquelas que não soltava da barra da saia do padre, mal percebia que ele também era diferente, como eu. Um dia ela me flagrou dando um selinho de despedida em uma colega de classe, ameaçou-me com duas bofetadas e com a pergunta mais hipócrita que já ouvi:
“_ Você não tem vergonha na cara?”
Como se fosse vergonhoso gostar de minha colega e ser beijada por ela.
Aprendi desde muito cedo a ter respeito pelos outros, coisas do tipo, não importa a raça, a religião, importa, sim, a índole da pessoa, mas, na realidade, aprendi a hipocrisia, sentimento comum no ser humano.
Será que a opção sexual de alguém fere o direito de outras pessoas?
Outro dia vi no Jornal Nacional que um policial prendeu duas meninas dentro do campus da USP, no refeitório, por estarem beijando-se na boca, uma sentada no colo da outra. Pergunto-me se fosse um casal “convencional”, teriam sido detidos? Creio piamente que não.
Quem deveria ser detido era o milico, que além de ser preconceituoso, abusou do seu poder para demonstrar seu preconceito.
Não acredito, nunca vi e nem vivi coisa mais linda que duas mulheres se amando, há uma aura, uma delicadeza, uma transcendência única, de espíritos que se entendem profundamente.
Quem dera hoje, minha querida Caroline, Carol, como te chamava ao pé do ouvido, tivesse quebrado meu silêncio provinciano antes, queria não ter sido covarde, não ter fugido do amor que tinha por ti, nem cedido aos caprichos de minha mãe.
Hoje, trago-te rosas vermelhas, não mais brancas, como sempre fiz, pois tenho uma confissão a fazer-te, encontrei alguém que me ama, assim como me amou um dia. Mas sou outra pessoa, diferente daquela criança que era, quando nos conhecemos, quando fazíamos amor no banheiro das meninas.
Só agora compreendo a força que brota de um coração dilacerado, só agora entendo seu ato de desespero e a sua coragem. Todos os anos, nesta mesma data, eu venho, e a cada ano que se passava, menos me entendia, e mais compreendia a força que de empurrou pra esse abismo. Ao ler “Aqui jaz uma moça que amou, que chorou, que lutou e desistiu”, revolto-me, pois sabemos que isso não é verdade.
Pichei no mármore frio, com tinta vermelha “Aqui jaz uma moça que soube amar e ensinou-me o amor!”

14 comentários:

Giovani Iemini disse...

Ora, vejam, que texto instigante. Tanta informação que dá para conversar sobre ele por tempos.

Chamar uma mulher na rua de "gostosa" na verdade é fazer um benefício à vida, quiçá, à felicidade da dama, oras, pois caso ele volte para casa sem nenhum "grosseiro" elogio de algum admirador pedestre, certamente desconfiará que está "perdendo o charme", o tônus da bunda, a gostosura. Está se tornando uma velha de bunda seca. Não, devemos sempre salvaguardar a impressão feminina que ela própria é a mais deliciosa do planeta, reforçando a todas que encontra: - Hei, GOSTOSA!

Hehehe.

De mais, segundo pesquisas, 1/3 das mulheres do mundo tiveram algum tipo de relação homossexual na infância. Essas, até, são mais felizes e sexualmente mais satisfeitas.
Adoro homossexualismo feminino. Tesão.

Bacana, Larissa.

ofilhodoblues disse...

eu também Gigio, homossexualismo feminino é foda, literalmente eaiuhaeiuhauahe

Quanto ao texto, adorei! começa como uma confissão e acaba de forma magnificamente emocionante...

parabéns larissa!

Deveras disse...

Soube levar o texto com muita propriedade e como já dito, começou como um relato e terminou demonstrando uma perda que somente quem já teve essa (infeliz) experiência pode realmente entender. Belo conto, o final ficou muito bom (mas as cores das rosas já dá uma pista), demonstrou que a sensibilidade feminina não depende das opções feitas.

Parabéns e ficanapaz!

Cristiano Neto ("Deveras")

Lameque disse...

Nós homens somos nojentos. Curtimos um transa lesbo e chamamos as mulheres de gostosa na rua.

Gostei muito do texto. Achei-o inclusive corajoso.

Congratulações

MPadilha disse...

Homosexualismo feminino é importante pois dá o exato sabor do prazer, da entrega, uma vez que, sabemos exatamente onde tocar, exatamente como fazer e, acima de tudo, exatamente o que e quando respeitar.Só uma mulher entende a alma de outra e os homens, aqui entre nós, saborosos como ninguém, esses tem muito o que aprender com esse tema.Isso se estão realmente preocupados em satisfazer suas mulheres.
Larissa, eu já era sua fã.Quando uma pessoa criticava algo de seu eu pensava comigo mesma, ninguém pode fazer obra prima o tempo todo, mas essa garota é muito talentosa e mesmo os gênios, na maioria das vezes, desagradam.
Teu texto é perfeito!Deu o exato sabor do amor que todos queremos, da entrega que buscamos. Parabéns!Em momento algum eu duvidei de você.Sabia que quando fosse tua estreia iria arrebentar.Arrebentou!Beijos

Muryel De Zôppa disse...

Temática que, em outras mãos, poderia soar artificial quando muito tratada de forma bruta; não aqui, lapidada com excelente maestria e muito bem elaborada. Bom gosto no tratar a ausência e sensibilidade aflorada são os temperos de seu lindo texto, e está no ponto!!!

Klotz disse...

A Larissa sempre se destaca pelo seu lado guerreiro, agora através de uma crônica (depoimento?) corajosa.

Eduardo Perrone disse...

Larissa... Sempre disse ,que uma mulher que me fizesse "viajar no improvável" sería-me eleita como musa. Tive sorte, pois algumas já me surpreenderam, e, à cada uma dediqueí um momento particular meu. Hoje, te dedico um destes... Embora eu nunca tenha tido vontade de ter nascido mulher; agora, lendo isso, invejei Carol... Incrível texto. Incríveis as "mexidas de orientação" , que simplesmente só se fizeram em função de uma sensação REAL de amor. Amor... Assexuado. Ou não...

Fábio Ricardo disse...

mão santa passou em meu blog e assim que eu li o texto de abertura, entendi como funcionava o processo e que cada um tinha seus dias pré-determinados para escrever aos outros, me apaixonei pela idéia.
sou jornalista cultural, contista e louco por música. meu maior prazer é o de contar histórias, sejam elas reais ou não. Por isso mesmo todas as minhas histórias, seja em blogs, roda de bar ou contada ao pé do ouvido têm essa mistura de realidade e ficção. E é nessa deixa que eu pergunto a vós: como posso fazer para participar de tal concilium de escritores?

Pili disse...

mas ela se mata? pq????
era deprimida, revoltada, incompreendida, etc?
ai meu deus, que triste!!!!

Rebellis disse...

Belíssimo texto! Em geral há várias mudanças durante o decorrer dos parágrafos. O tom muda do confessional para o memorial e depois passa o lírico terminando no trágico. Muito bom =)

Em tempo: a temática é muito boa. Amo as mulheres e os amores, mesmo que sejam amores homossexuais.

Um grande beijo!
Eduardo "adote um gatinho"

Larissa Marques - LM@rq disse...

Grata a todos pelos comentários amigos.
Postei o conto, pensando que iria ser muito criticada, não pelo mote, mas pela qualidade literária do conto. Minha prosa é ruim, rastejanta, aimda. Esperei críticas, mas já que não vieram, continuarei na mesma linha, pois quero saber se tenho jeito ou não para a prosa.
Para que quer saber se o texto é uma confissão, não, o texto é ficção. Mas pode bem ser a realidade de alguém que conheço!
Beijo grande!
Obrigada, mais uma vez. E até dia 06/04!
Larissa Marques.

Véïö Chïñä‡ disse...

Tocante e de muita sensibilidade Larissa. As vezes é necessário deixar um amor ir pra outro tomar o seu lugar.
Não sei se há algo de biográfico ou não, se houver, parabens, pela coragem e honestidade.

Em tempo: Já havia escrito acina quando levantei a barra e li o seu comentário final e entao tome por base que ele foi tão bem escrito que não deixou margem de dúvidas quanto a viabilidade da história.

Anônimo disse...

também acho o homosexualismo feminino lindo, ver duas mulheres lindas, sedutoreas e delicadas se amando e sensacional, sou casado, e sinceramente eu adoraria que minha mulher fosse bi, aceitaria com prazer a adoraria assisti-la brincando com uma amiguinha