O grande mentiroso
Havia jurado aos pés de seus dois grandes amigos, nunca mais se meter com malucos. Aquela seria a última tentativa de consertar um louco em sua escala na terra. O fim do conturbado romance com um ser pra lá de esquizóide, marcaria o início de um suposto momento de normalidade. Não seria mais pára-raios de insanos, como normalmente era chamada.
Contudo, mal sabia ela que seu destino fora traçado nas portas dos hospícios.
E não hesitou em conhecer o amigo de Luciano. Afinal, ele era apenas um intelectual. Que mal poderia haver nisso? Escolhas diferentes de vida apenas!
Conheceram-se em uma roda de bar. Os olhares se cruzaram. Ele era realmente muito excêntrico, principalmente frente a ela, que primava por uma beleza clássica, com adornos muito singelos e bem eleitos.
Resolveram reencontrar-se e iniciaram um tórrido romance, com direito a uma súbita paixão desde o primeiro beijo. Logo estavam dividindo a mesma cama algumas vezes por semana e prometendo-se casamento mutuamente. Até filhos eram cogitados.
No que concerne ao sexo, deve-se frisar que melhor não poderia ser, amavam-se feito dois animais no cio, desesperados, como se a qualquer momento fossem ser tragados pela terra. Gozavam desesperadamente uma, duas, três, quatro vezes. Não cansavam nunca. Driblavam as necessidades humanas a todo custo, a fim de dedicarem-se a insólita arte do prazer.
Entretanto, Eduardo parecia taciturno vez por outra, como se estivesse escondendo um segredo de sua amada. Interpelado, balouçava a cabeça, dizendo tratar-se de aborrecimentos cotidianos. Mas Lucia não se dava por vencida. Havia de fato um mistério a ser desvendado e, tanto ela fez que conseguiu arrancar a confirmação do homem.
-Eu tenho um tumor no cérebro, o qual acarreta cefaléias tormentosas, insuportáveis para um simples mortal.
Desesperada com a revelação, ela o interrompeu:
-Mas amor, você faz tratamento? Pode ser fatal? O que pode ser feito?
-Olha meu bem, a princípio o tumor está fossilizado, mas pode irromper a qualquer momento e a simples presença do mesmo em lugar inoportuno, culmina com dores dilacerantes.
A moça calou-se, lamentando sua própria sorte. Demorara tanto tempo para encontrar o homem de sua vida, com todos os predicados desejados e, agora descobria que a felicidade nunca vinha sozinha. Bem, se Deus a predestinou para isso, que fosse infinito, enquanto possível.
Mas com o passar do tempo, as queixas do sujeito estenderam-se para outros diagnósticos e só o que ele fazia era tecer comentários a respeito de suas doenças que não paravam, nem de longe, no suposto tumor.
Relatou também que não possuía um pulmão, resultado de uma embolia pulmonar durante um coma a que fora acometido. Depois contou que uma úlcera em seu estômago não o deixava comer, que uma insônia o mantinha de pé durante três noites ininterruptas e que problemas em seu coração o faziam temer pelo seu fim muito em breve.
Porém, Lucia estranhava a boa aparência de Eduardo. Nenhuma olheira, nenhum cansaço, um vigor sexual invejável, um apetite de esfaimado, um sono tranqüilo e uma pulsação de bebê saudável. Impossível um quadro tão grave não deixar vestígios em sua aparência. Ela podia ser ingênua, mas não a esse ponto!
Eduardo prosseguia em suas juras de amor eterno, intercaladas com os presságios de uma morte que se avizinhava. O homem carregava sua fala de emoção e parecia domá-lo um prazer incomensurável em sentir o fim junto ao sofrimento de sua amada.
Entretanto, em uma noite de sábado, Eduardo desapareceu. Retornou no dia seguinte, cabisbaixo e portando um semblante sofrido. Inquirido por ela, o pobre revelou ter passado a noite no Hospital Copa D’or, por conta de um princípio de infarto. Lucia calou-se e fez que acreditou.
Arrumou-se com esmero e foi visitar um antigo fã que, por ironia do destino, vinha a ser nada mais, nada menos, que o Diretor do afamado hospital. Passaram e repassaram a lista dos atendidos naquela noite, até que ela convenceu-se de que não constava a entrada de nenhum Eduardo.
Assim, a moça resolveu investigar a vida do sujeito e, qual não foi sua surpresa, quando pouco a pouco, foi descobrindo as três mil mentiras proferidas; não possuía nenhuma doença, nunca passara pelos hospitais alegados. As quatro graduações jamais existiram. Ele possuía apenas uma graduação em filosofia em curso há mais de uma década. As aulas, palestras e cursos faziam parte tão somente do imaginário fértil de seu amado.
Soube ainda, que certa feita, seu querido fora visto tocando um violino imaginário em pleno largo da Carioca. Concluíra por fim, ser o sujeito possuidor de esquizofrenia em estado avançado, de acordo com sua vasta experiência junto aos perturbados mentais.
Determinou-se que isso não ficaria assim: em sua torpe cabecinha, mentira se combatia com mentira e loucura com loucura. Se ele era portador de uma psicopatia, seu convívio com loucos a fazia doutora em maluquice.
Deu início ao seu plano, casaram-se em dois meses. Lucia decidiu vingar-se: ele sentiria a dor de ser enganado, tal qual ela experimentara quando ele mentia estar tratamento em São Paulo, enquanto ficava trancado em seu quarto lendo Deleuze.
Assim vestia-se com uma roupagem e levava outra na bolsa, que trocava no banheiro da lanchonete. Esbarrava com ele na rua e fingia não conhecê-lo. “Estranho”, pensava ele. “Para mim, aquela era minha mulher”.
Inventou uma viagem para Portugal a negócios, apenas para fazer-lhe ciúmes e assim seguiu com suas mentiras e descalabros, ao passo que as dele iam pouco a pouco escasseando.
O homem parecia ficar cada vez mais atordoado, julgava estar sendo castigado pelas infâmias que inventara para sua amada, até que resolveu dar cabo daquela loucura.
Preparou com esmero um fantástico jantar, regado ao melhor vinho; tudo feito por suas próprias mãos. Jantou ao lado da mulher, disse que a amava repetidamente e, aos poucos retorceu o rosto, tornando-o roxo, espumando pela boca, enquanto proferia suas palavras finais:
- Agora você acredita que eu estava realmente doente e que meu fim era próximo?
Lucia, feliz da vida, enfim conseguira seu intuito: herdara uma polpuda herança sem muitos esforços, apenas levando o imbecil ao suicídio.
Deitada no largo sofá, em frente à Vieira Souto, deliciando-se com o melhor champagne, ela concluía: O mal do esperto é achar que todo mundo é bobo!
03/06/2007
Havia jurado aos pés de seus dois grandes amigos, nunca mais se meter com malucos. Aquela seria a última tentativa de consertar um louco em sua escala na terra. O fim do conturbado romance com um ser pra lá de esquizóide, marcaria o início de um suposto momento de normalidade. Não seria mais pára-raios de insanos, como normalmente era chamada.
Contudo, mal sabia ela que seu destino fora traçado nas portas dos hospícios.
E não hesitou em conhecer o amigo de Luciano. Afinal, ele era apenas um intelectual. Que mal poderia haver nisso? Escolhas diferentes de vida apenas!
Conheceram-se em uma roda de bar. Os olhares se cruzaram. Ele era realmente muito excêntrico, principalmente frente a ela, que primava por uma beleza clássica, com adornos muito singelos e bem eleitos.
Resolveram reencontrar-se e iniciaram um tórrido romance, com direito a uma súbita paixão desde o primeiro beijo. Logo estavam dividindo a mesma cama algumas vezes por semana e prometendo-se casamento mutuamente. Até filhos eram cogitados.
No que concerne ao sexo, deve-se frisar que melhor não poderia ser, amavam-se feito dois animais no cio, desesperados, como se a qualquer momento fossem ser tragados pela terra. Gozavam desesperadamente uma, duas, três, quatro vezes. Não cansavam nunca. Driblavam as necessidades humanas a todo custo, a fim de dedicarem-se a insólita arte do prazer.
Entretanto, Eduardo parecia taciturno vez por outra, como se estivesse escondendo um segredo de sua amada. Interpelado, balouçava a cabeça, dizendo tratar-se de aborrecimentos cotidianos. Mas Lucia não se dava por vencida. Havia de fato um mistério a ser desvendado e, tanto ela fez que conseguiu arrancar a confirmação do homem.
-Eu tenho um tumor no cérebro, o qual acarreta cefaléias tormentosas, insuportáveis para um simples mortal.
Desesperada com a revelação, ela o interrompeu:
-Mas amor, você faz tratamento? Pode ser fatal? O que pode ser feito?
-Olha meu bem, a princípio o tumor está fossilizado, mas pode irromper a qualquer momento e a simples presença do mesmo em lugar inoportuno, culmina com dores dilacerantes.
A moça calou-se, lamentando sua própria sorte. Demorara tanto tempo para encontrar o homem de sua vida, com todos os predicados desejados e, agora descobria que a felicidade nunca vinha sozinha. Bem, se Deus a predestinou para isso, que fosse infinito, enquanto possível.
Mas com o passar do tempo, as queixas do sujeito estenderam-se para outros diagnósticos e só o que ele fazia era tecer comentários a respeito de suas doenças que não paravam, nem de longe, no suposto tumor.
Relatou também que não possuía um pulmão, resultado de uma embolia pulmonar durante um coma a que fora acometido. Depois contou que uma úlcera em seu estômago não o deixava comer, que uma insônia o mantinha de pé durante três noites ininterruptas e que problemas em seu coração o faziam temer pelo seu fim muito em breve.
Porém, Lucia estranhava a boa aparência de Eduardo. Nenhuma olheira, nenhum cansaço, um vigor sexual invejável, um apetite de esfaimado, um sono tranqüilo e uma pulsação de bebê saudável. Impossível um quadro tão grave não deixar vestígios em sua aparência. Ela podia ser ingênua, mas não a esse ponto!
Eduardo prosseguia em suas juras de amor eterno, intercaladas com os presságios de uma morte que se avizinhava. O homem carregava sua fala de emoção e parecia domá-lo um prazer incomensurável em sentir o fim junto ao sofrimento de sua amada.
Entretanto, em uma noite de sábado, Eduardo desapareceu. Retornou no dia seguinte, cabisbaixo e portando um semblante sofrido. Inquirido por ela, o pobre revelou ter passado a noite no Hospital Copa D’or, por conta de um princípio de infarto. Lucia calou-se e fez que acreditou.
Arrumou-se com esmero e foi visitar um antigo fã que, por ironia do destino, vinha a ser nada mais, nada menos, que o Diretor do afamado hospital. Passaram e repassaram a lista dos atendidos naquela noite, até que ela convenceu-se de que não constava a entrada de nenhum Eduardo.
Assim, a moça resolveu investigar a vida do sujeito e, qual não foi sua surpresa, quando pouco a pouco, foi descobrindo as três mil mentiras proferidas; não possuía nenhuma doença, nunca passara pelos hospitais alegados. As quatro graduações jamais existiram. Ele possuía apenas uma graduação em filosofia em curso há mais de uma década. As aulas, palestras e cursos faziam parte tão somente do imaginário fértil de seu amado.
Soube ainda, que certa feita, seu querido fora visto tocando um violino imaginário em pleno largo da Carioca. Concluíra por fim, ser o sujeito possuidor de esquizofrenia em estado avançado, de acordo com sua vasta experiência junto aos perturbados mentais.
Determinou-se que isso não ficaria assim: em sua torpe cabecinha, mentira se combatia com mentira e loucura com loucura. Se ele era portador de uma psicopatia, seu convívio com loucos a fazia doutora em maluquice.
Deu início ao seu plano, casaram-se em dois meses. Lucia decidiu vingar-se: ele sentiria a dor de ser enganado, tal qual ela experimentara quando ele mentia estar tratamento em São Paulo, enquanto ficava trancado em seu quarto lendo Deleuze.
Assim vestia-se com uma roupagem e levava outra na bolsa, que trocava no banheiro da lanchonete. Esbarrava com ele na rua e fingia não conhecê-lo. “Estranho”, pensava ele. “Para mim, aquela era minha mulher”.
Inventou uma viagem para Portugal a negócios, apenas para fazer-lhe ciúmes e assim seguiu com suas mentiras e descalabros, ao passo que as dele iam pouco a pouco escasseando.
O homem parecia ficar cada vez mais atordoado, julgava estar sendo castigado pelas infâmias que inventara para sua amada, até que resolveu dar cabo daquela loucura.
Preparou com esmero um fantástico jantar, regado ao melhor vinho; tudo feito por suas próprias mãos. Jantou ao lado da mulher, disse que a amava repetidamente e, aos poucos retorceu o rosto, tornando-o roxo, espumando pela boca, enquanto proferia suas palavras finais:
- Agora você acredita que eu estava realmente doente e que meu fim era próximo?
Lucia, feliz da vida, enfim conseguira seu intuito: herdara uma polpuda herança sem muitos esforços, apenas levando o imbecil ao suicídio.
Deitada no largo sofá, em frente à Vieira Souto, deliciando-se com o melhor champagne, ela concluía: O mal do esperto é achar que todo mundo é bobo!
03/06/2007
13 comentários:
Marvilhoso
só lendo p ver..
um toque naturalista em uns trechos.. um sarcarmos.. e final surpreendente dando a enterder ser este o clímax do texto.
leiam se puder.. vale a pena e muito mais..
:)
aew sacer.. depois dessa descanse a cabeça pq seus neuronios devem estar rachados de tanto pensar.. rsrs
Até a morte de Eduardo é um encenação. Mentiroso até os últimos mommentos.
Um conto que prende a atenção do leitor pelo carater realístico do mesmo.
Nota 10, com louvor, Sacer!
Meu café da manhã de hoje não poderia ter sido melhor, adorei tudo! A loucura é um tema que sempre me encanta na literatura. O final foi bárbaro!!
Fã sua.
Bjos da Küm(k)a
Ué, num entendi. Não ia rolar um outro lance com esta história? De qualquer forma, ficou ótimo. Li e fiquei muito satisfeito com o fim do sujeito. Pelo menos, ele resolve a vida de alguém ao cabo de seus dias. Rs
Também achei estranho a mulher gostar tanto dele e depois levar o cara a se matar... (mas os motivos femininos não precisam geralmente ter uma lógica para os homens,rs)
VAleu, ficanapaz
HAHAHAHAH...tu é FILHO DA PUTA...Sacer.....duca mesmo....ótimo vocabulario...perfecto!!!!!! Muito boa as nu7ances com a vida real, explendida finalização, ó mestre dos magos, ó senhor dos segredos ocultos...ó Mister M!!!!!!!
meus amados seguidores
obrigada pelos comentarios, amo todos vcs e os carrego aqui no coração!
alguns sabem sabem que tais fatos sao semi-reais!
muito bom!
tema bem atual "o que tem de mentiroso por aí!", e o final é uma glória... sentimo-nos vingadas! rs
E quem disse que mulher é vingativa???
Adorei sacer...
bjokas
delicioso, o texto.
Adorei seu blog! Estou adicionando ao meu, que é sobre poesias e fotos.
Quando puder, dá uma visitadinha no meu blog. Espero que você goste.
Abraços
eu gosto dos loucos de toda espécie. boa história.
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