Acordara com a nítida sensação de que , na boca, haviam-lhe amassado uma plantação de jiló. O amargor que sentia não era desse mundo... Escovando os dentes, pôde perceber que, nem assim, aquele gosto estranho saía. Tomou um gole de chá quentinho. Engoliu o líquido de olhos bem fechados, na vã esperança, de que , o maldito gosto ocre abandonasse aquela boca, que horas antes, mastigava a carne daquele homem. Era inadmissível que o gosto bom daqueles fluídos , agora, tivesse se tornado essa coisa de gosto medonho , e de certo modo, aterrorizante. A pele dele , ela explorou cada centímetro, passando a ponta-da-língua, como fazia, quando era criança, com o sorvete-de-chocolate que tanto gostava. O chocolate era delicioso...! Era a única coisa que lhe fazia sair da dieta... Mesmo que a culpa a fizesse comer rúcula semanas inteiras. Lembrou do último pedaço, comido antes da sua última internação na Clínica de Tratamento de Viciados. No diagnóstico , os tais médicos concluíram que, ela não nascera com a capacidade de digerí-lo. Suas alucinações eram efeito ,da incapacidade de seu organismo, de produzir enzimas específicas para digerir uma prosaica barra-de-chocolate. E isso,segundo eles, era a explicação para as crises alucinatórias, que vinham ocorrendo com certa freqüência. Após ter buscado ajuda com mães-de-santo fajutas, bem como, com postulantes reprovadas do Curso de Psicologia por Correspondência , havia, enfim, procurado ajuda no lugar certo. Mas... E esse gosto maldito?... O que era agora?! Afinal, não havia tido mais alucinações fazia meses... Tudo parecia ter voltado ao lugar...! A única explicação era aquele encontro de ontem... Voltara a se "deitar com um homem" , após passado muito tempo desde a última vez... Mesmo sendo casada à "zilhões" de anos, era um fato raro que isso acontecesse.
Nada de anormal, pois , todas as suas amigas , internas da clínica , lhe diziam ser assim mesmo... Maridos eram necessários, afinal , não ficava bem a solteirice , oficial, passado dos 30... Homens eram outra estória...! Algumas tinham a sorte de se casarem com esses espécimes raros. Eram invejadas , e, lá na clínica , eram chamadas de "esposinhas". Alguns vudus traziam os nomes dessas "antipáticas" bordados em linha-de-seda vermelha. Os alfinetes, elas encontravam na cesta de lixo hospitalar, comumente chamado de refugo.E o gosto, ainda assim, parecia querer aumentar. Na ânsia de tentar acabar com a tortura, lembrou de um pedaço de chocolate -velho e ressecado- que uma de suas amigas contrabandeara para dentro da clínica. Aquele pedaço lhe fora reservado, e estava escondido , sob o quadro de seu diploma ,que , estava "pregado" na parede do quarto.Tomou coragem, e mastigou um pedaço. O gosto ruim pareceu diminuir. Comeu outro. E mais outro... Até que, tanto o gosto amargo, quanto o chocolate acabaram...Entre feliz e assustada, ela , então , percebera que não havia tido alucinações. O relógio marcava, pontualmente, o horário de sempre. O vai-e-vem da rua estava como sempre. Mesmo os pássaros teimavam em voar ... Tudo normal. Sem problemas.Então pôde perceber que havia vivido errado. E que nem o chocolate havia sido o vilão. Apenas achou o gosto do chocolate bom no passado. E , que em meio à saladas e dietas, apenas vivera... Assim... Como suas amigas de quarto... Sem gosto de chocolate para lhes adoçar a boca. Sem motivos para celebrar essas curas... Afinal, a doença que lhes unia, era, simplesmente não terem tido nem sorte, tampouco coragem, para engordar , ao sabor de uma barra-de-chocolate.Chocolate engorda... E viver vicia....
8 comentários:
Que delícia! Essa crônica deixou um gostinho de quero mais.Excelente!
Belo conto... Senti um deja vú, mas coisa boa é assim mesmo, fica a impressão de já havermos encontrado anteriormente.
Viver vicia, o problema é quando há síndrome de abstinência.
ficanapaz!
E viva o vício de viver!
Tu devias escrever mais prosa cara!
Concordo com Lama, mais prosa. Sinestésico de bom isso ai.
Eu ja conhecia do Bar e o mais surpreendente é entnder cada vez mais a tua mensagem. E tenho certeza de que teve gente muito deprimida ao ler isso, num claro flagrante de fichas caindo e carapuças vestidas.
Concordo tambem com o lameque. ESCREVA PROSAS SEMPRE!!!!!!!!!!!
q vício, meu...!
é verdade, viver vicia. Chocolate, não sei.
bjs!
Gostoso como chocolate.
Adoro chocolate, os recheados de homem, são ainda mais gostosos, engordam e viciam. Adorei!
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