“Palas, antes de aprontar o dardo para o arremesso, ergueu uma prece a Hércules: ‘Herói poderoso, lembre-se da casa onde um dia encontrou hospitalidade e ajude-me neste combate. Talvez seja audácia demais da minha parte querer enfrentar tão famoso guerreiro. Conto, porém, com seu auxílio, para vencer esse orgulhoso latino e despojá-lo de suas armas’”.
O texto acima foi extraído de uma versão para colégios feita por Alfred J. Church, baseada na Eneida de Publius Virgilius Maro (70-19 a.C.), poema épico que narra as aventuras de Enéias desde a sua fuga de Tróia até chegar em terras italianas. O jovem Palas, filho do rei Evandro, vendo-se em evidente inferioridade diante do poderoso Turno, apela para seu deus implorando-lhe ajuda. Por que isso me soa tão familiar?
Na violenta guerra travada pela besta do norte e o chacal do oriente, as marionetes de ambos os lados certamente gritaram por seus deuses distantes e indiferentes, rogando por providências divinas quando as armas mostraram-se entidades mais poderosas que os anjos. E as armas venceram mais uma vez, pois os deuses, sejam quais forem, não se importam com os homens. Eles divertem-se com a estupidez de seus adoradores. De um lado, desnutridos famintos passam toda a sorte de privações com uma resignação irritante e não hesitam em lançar-se com aviões desgovernados contra prédios, na esperança de alcançar a eternidade ao lado de virgens e riquezas (tsc!). De outro, belos e fortes soldados de olhos azuis acreditam realmente ser a força da justiça do mundo, mas tudo o que fazem é aumentar o faturamento de grandes empresas, à custa de suas vidas e da de outros. Não consigo entender como um povo que enche-se de bombas e abraça o inimigo não pôde fazer isso contra o ditador que apenas se enriqueceu e matou milhares de pessoas sem suar. Também é difícil entender como os estadunidenses acreditam ter uma vida invejável se são escravos de um regime que tanto lhes cobra e lhes dá, em troca, câncer no pulmão, obesidade e alienação de espírito.
Muitas pessoas dizem que damos valor demais à guerra e esquecemos da “outra guerra” que é travada no Brasil, onde traficantes isso, traficantes aquilo, etc., coisa e tal. Mas devo lembrar aos defensores dessa demagogia fatalista que, no caso da guerra, bastaria um (apenas um) dos dois líderes desejarem e a morte de milhares seria evitada. E também devo lembrar que o crime, seja organizado ou não, não é exclusividade de nosso país, tampouco do terceiro mundo. Comparar índices de criminalidade com guerras é hipocrisia. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa .
Mas os homens rezam para seus deuses aguardando milagres, em vez de tomar medidas concretas. Ficam rezando e deixam tudo “nas mãos de Deus”, como gostam de pregar alguns, seja em cultos religiosos ou em publicações de auto-ajuda que cumprem sua função, claro - ajudar o pastor ou autor a ganhar uma grana dos covardes que procuram a salvação nas palavras de uma criatura igual ou pior que ela. E cultos e publicações assim pipocam aos montes.
É... assim estamos em maus lençóis.
P.S. – Para quem não leu Eneida, Palas (apesar das preces a Hércules) foi morto por Turno, que mais tarde foi morto por Enéias. Este fundou a cidade de Lavínia, que mais tarde seria conhecida como Roma. Como podem ver, não é de hoje que os deuses ignoram as preces dos homens.
2 comentários:
pensamos juntos.
Ai, ai.Eu adoro ler você. Estou sempre aprendendo contigo, aliás, vc tem uma personalidade invejável.
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