quinta-feira, 25 de outubro de 2007

o apogeu de um homem

O apogeu de um homem

Na memória intangível reverberava os últimos momentos vividos ao lado de Jasmim, muito embora, seu cérebro vacilante teimasse em recordar apenas os instantes felizes e significantes daquela trajetória quase a dois.

Tentava sacudir seus neurônios a fim de trazer à baila os motivos reais do fim daquela malfadada história; a verdade é que desenvolvera um contrato de locação com sua pseudo-companheira; recebia uns pingados de carinho e sexo em troca de favores sócio-econômicos. Aceitava tais feitos pacificamente, afinal, a vida para ele sempre fora um tal de toma lá, dá cá.

Mas com o passar dos anos, aquilo tornara-se causticante, cansativo, ao avaliar-se, percebera que uma relação poluída naqueles moldes não poderia jamais prosperar e no fim das contas, desejava casar, ter filhos e todos os outros almejos dos homens mal resolvidos de sua idade.

Contudo, seis meses depois da separação, a verdade escabrosa era que sentia falta daquele corpo apolíneo e ostensivo, com suas tatuagens escandalosas à mostra e seu jeito indecente-pudico-contraditório de se comportar frente ao mundo; era uma puta na sociedade e uma dama na cama.

Entretanto, não pretendia voltar! Não e não! Afinal, era um homem de palavra! Jurara aos pés de São Jerônimo dos descasados que jamais recobraria aquele relacionamento dilapidador de suas poupanças. Se fosse para gastar, que fosse com seus prazeres mundanos e egoísticos, como um bom whisky, um bom restaurante e uma boa puta! Afinal estava cansado de bancar uma messalina de mentira, fingidora de orgasmos, enquanto enrolava os cabelos com a ponta dos dedos!

Lembrava-se com um riso de soslaio, o dia em que passara pela orla com aquela criatura espalhafatosa trajando uma saída de praia entremeada por fios de linha que deixava nus até seus órgãos internos. Ao cruzarem a casa de cambio da aclamada Ataulfo de Paiva, o doleiro displicente, admirando sua careca lívida, proferiu-lhe: “dólar, senhor?”

Não teve coragem de responder e também não perdeu tempo em explicar para a inteligentíssima, que o nobre senhor a havia confundido com as despudoradas do calçadão. Mal sabia o indiscreto permutador que as aparências sempre enganam; por fora bela viola, por dentro pão bolorento e, neste caso, insosso e cru!

Bem, mas o fato é que, neste exato momento, sua necessidade hormonal em decadência pela idade dos quarenta batendo-lhe às portas, somada a sua misantropia, o levara até o Baixo Meretrício da zona sul- um bordel de quinta categoria em plena orla de Iapanema.

Estagnado junto à entrada principal, seu membro teimava em latejar, chegou a temer que fosse lançado longe os jatos de esperma recolhidos a meses, em virtude do celibato forçado, mas conseguiu conter-se.

Acabrunhado, adentrou o recinto, pagou duas onças pela moça vestida com pele do mesmo animal. Seria uma ironia? Pensou. E deixou-se conduzir pelo rastro do abajur lilás que resplandecia do quarto 22. Eita, número de maluco! Mau presságio!

De súbito, teve suas calças arremessadas em uma cadeira esquecida ao norte do quarto, depois a camisa e por fim a cueca, testemunha ocular de tantos descalabros amorosos. Ah, se aquela peça íntima falasse! Na certa, mentiria que era ativa sexualmente e viril, como ele o fazia!

A moça, com um ar de decrepitude precoce arrancou a minúscula calcinha vagabunda e pôs-se a sugar seu membro em ponto de bala, num vai e vém melado, como uma criança que acaba de ganhar um pirulito colorido.

Mas sua cabeça maldita, que muitas vezes, deveria apenas ser um instrumento decorativo, teimava em trazer –lhe a visão da meretriz social com nome de flor que tanto tempo lhe acompanhou, junto aos pensamentos católicos-repressores insistentes como uma ária do baile de máscara que não lhe saía do compartimento cerebral!

De repente, não mais que de repente, seu membro viril foi assumindo uma natureza disforme e amolecida e em uma fração de segundos, quedou-se inerte para toda a noite.

Desesperado e desconsolado, o homem jogou-se nos braços da quenga-onça e chorou, chorou um pranto manso e solitário, evoluindo para um alarido descomunal e retornando a um chiado melancólico.

Pranteou não só a queda de seu órgão sexual, mas a separação, o relacionamento desastroso, seu trabalho improdutivo, o rompimento com seu pai, a doença de sua mãe e toda sua existência.

Sim, ele jogou nos braços daquela mulher da vida, toda existência de quatro décadas ao vento! E ela, de bom grado, o tomou em seus braços, alisou sua calvície e recolheu sua amargura, como estava acostumada a fazer com tantos outros. Ninguém entendia melhor da dor alheia como ela, mulher de tantas dores!

Então, sem dizer uma palavra, afagou-o como a uma criança que acaba de tornar-se órfã e sacou de seus parcos pertences, um espelinho medíocre, levou –o até o rosto do sujeito e mostrou a face dele que teimava em não lutar contra o tempo.

Assim, pela primeira vez, ele apreciou sua imagem refletida e admirou-se com a descoberta; os anos poderiam até ter-lhe tirado um pouco do vigor, mas, de certo, o tornara mais sábio, mais íngreme, mais homem. Era o apogeu da sua passagem pela terra.

Reconfortado, adormeceu calado junto àquela que não era, nem de longe, a mulher de seus sonhos, mas que fora a única a lhe proporcionar um sonho tranqüilo, a lhe dar a verdadeira paz que excede a todo entendimento e que jurava não existir.

Nina
03/09/2007

3 comentários:

Anônimo disse...

Monástica, Nina de Marselha, esse seu escrito é Belíssimo.

Anônimo disse...

Pensei que tinha desistido. Agradabilíssimo!!

Lameque disse...

Este conto narra com maestria o que sente um homem numa encruzilhada afetiva na faixa dos 40 anos.