quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Travessia

Matem-me amanhã
e serei novamente um cadáver agradecido
com um sorriso nos lábios
e a tranqüila serenidade
daqueles que não souberam que partiram,
dos que se foram sem se despedir
(lançados ao espaço por desproporcionais choques de massas)
enquanto o corpo descrevia uma parábola descendente
parando no meio do asfalto, meio morto
(morte de cachorro louco, dia frio, na beira de um meio-fio)

Nós,
os que sempre se vão na hora errada
não queremos mais mundos obscuros
onde as lágrimas não podem passear pelos rostos
e as dores não podem ser acariciadas
à luz do dia

Todos os dias

Por conta dessa noite de virgens loucas
a poesia nada mais é que um momento trágico e mágico
eternizado por uma pena perdida
(no fel da loucura embebida)
servida em cálices altos
aos que se embebedavam
no festim da vida

E por conta de toda esta embriaguez
é que viramos a cidade de pernas pro ar,
somente para encontrar
um par de pernas
cruzadas

Os que vierem depois disso quase nada entenderão
(farão falsos discursos em monocórdios maquinados)
mas o mundo muda de repente (à revelia)
e a travessia pode se dar à qualquer hora
confirmando assim a única certeza da vida

Meu presente para o futuro é um passado sem glórias

Ainda agarro a felicidade pelos cabelos
e a beijo sem volúpia e sem vontade
apenas para ter o prazer de lhe cravar os beiços

8 comentários:

bemditorosa disse...

Meu presente para o futuro é um passado sem glórias

Ainda agarro a felicidade pelos cabelos
e a beijo sem volúpia e sem vontade
apenas para ter o prazer de lhe cravar os beiços


Adorei.É forte.E esses versos finais são especialmente marcantes pra mim.

Muryel De Zôppa disse...

Sempre, sempre poetou filosofias... gosto demais disso.

Unknown disse...

"Meu presente para o futuro é um passado sem glórias"

Muito bom este texto! Diria mais:

"Meu passado para o futuro é um presente sem glórias" e mais:

"Meu futuro para o presente é um passado sem glórias" ainda mais:

"Meu presente para o passado é um futuro sem glórias"

Ad infinitum...

juliano guerra disse...

Ainda não tinha te lido na poesia.

Achei muito bom.

Elô Barreto disse...

forte, gostei demais

Clarissa Deggeroni. disse...

Um crônica poética de respeito.

Anônimo disse...

Legal, Cristiano! "um cadáver agradecido".

Rita Medusa disse...

adoro este do cachorro louco Cris