Ele entrou, cerimonioso.
Nunca poderia crer que a Bruxaria lhe abrisse os olhos daquela maneira.
Afinal, vinha de uma prole fortemente influenciada pelas prevenções infundadas da Santa Inquisição. Ele mesmo fôra um beneditino ferrenho.
Vasculhou com os olhos o covil. Era estranho. Era obscuro. Era mágico. Sentiu pairar no ar, inundando o ambiente, toda aquela irradiação superior, inexplicavelmente venerável, que só conhecera entre os gauleses em seus ritos pagãos.
Havia algo ali que o intimidava. Cada recipiente, cada poção borbulhante, cada objeto disposto nas prateleiras e nas bancadas rústicas, como se talhadas com as próprias lascas do stonehenge.
Uma senhora ruiva, muito bela, olhos percucientes, estava ereta, atrás do caldeirão negro, fitando demoradamente através da janela os campos claros pelo luar.
Era uma bruxa. E ele estremeceu ao vê-la. E descobriu-se um genocida que atirara ao fogo, com seus editos infelizes, as sacerdotisas celtas, cujo único crime era a busca pela eremia, pela compreensão do mistério da fertilidade da Mãe, por serem depositárias de um tesouro infinitamente mais rico que o seu, engessado pelos dogmas e pela intolerância religiosa.
As vassouras, os gatos pretos, os corvos empoleirados nas gárgulas, os elementais como sombras luminosas vitalizando aquele reduto celta: tudo agora parecia menos ofensivo, mais nobre, mais respeitável.
E mais um homem sensato prostrou-se ao jugo irresistível da bruxaria.
Felizmente, a Verdade se difunde por fontes diversas, de diversos modos. E nem piras e Index e autos-de-fé e Concílios poderão sufocá-la. Como a Terceira Revelação, ela provém das plagas etéreas, e se dissemina entre parábolas saídas das bocas dos nossos filhos e das nossas filhas, que já estão a profetizar.
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