Quando Xavier dissera a Odete que jamais haveria outra mujer que lhe fizesse tão feliz quanto a ex-pobre garota de programa, os olhos azul-turquesa do Espanhol reluziam confissões de um amor sincero. A primeira vez que o Espanhol viera ao Rio foi paixão à primeira vista: as belas praias, a cidade imperial de Petrópolis, a Vista Chinesa, a melodia sussurrada do engraçadíssimo sotaque carioca - e as belas meninas que exibiam seus corpos torneados tal como o majestoso Pão de Açúcar. Não que fosse do tipo turista sexual, não era essa a questão, era homem de bem e de negócios, de caráter sóbrio. Além do mais que mal havia em deixar-se inebriar pelos doces lábios de cana-de-açúcar destilado das renomadas Muchachas de Copacabana? Conhecera outros gringos nos prostíbulos da Zona Sul e vez e outra ia de encontro aos novos amigos para tomar um drinque, jogar conversa fora e, claro, apreciar as meninas. Na noite em que trocara olhar com Odete não contava com a peça que o destino lhe pregaria. Tudo estava em seu perfeito lugar, como deveria estar. “ – Tem fogo?”, perguntou Odete. “ – Si, si, claro!”, respondera ele gentilmente o clichê em forma de convite de aproximação. Odete não intencionava flertar com o Espanhol – uma das meninas de fato lhe tomara o isqueiro emprestado e minutos depois desaparecera com um cavaleiro inglês. Era sua quarta semana na batalha e só não deixara ainda de exercer a profissão mais antiga do mundo por gratidão à Velha Sofia – cafetina de luxo e estrela-cadente dos tempos de ouro da rádio nacional. Sofia lhe estendera a mão solícita quando a mulata da baixada fluminense cansou-se da revenda de cosméticos: “ – quem consegue viver com quatrocentos reais por mês?”, reclamava Odete antes de dedicar-se a tal empreitada. O Xavier bem que se divertiu com o ritmo caliente de Odete. Como haveria de ser. Odete tinha um quê de bossa-nova, uma tristeza tépida quase elegante. Seus olhos negros e irresolutos descompassavam o Espanhol dos pés à cabeça. Xavier não percebera mas no primeiro encontro já se podia dizer que estava tão enovelado quanto as tranças nagô da jovem mulata. As visitas ao Brasil tornaram-se cada vez mais freqüentes até que um dia não resistira mais e entregou os pontos: “– Compramos um apartamento e dividiremos o mesmo teto de hoje em diante”, disse com ar de príncipe encantado. Tudo parecia as mil maravilhas para o casal mais feliz do ano. A Odete, que a essa altura havia se matriculado no curso de psicologia, acabara de concluir seu primeiro período na faculdade e para comemorar Xavier levou-a para Paris. Ela contava toda prosa, com o sorriso do gato de Alice, tudo que havia aprendido nas aulas de introdução a psicanálise enquanto os dois saboreavam a garrafa de Beaujolais Nouveau, vinho favorito de Xavier, no restaurante Chez René no Quartier Latin. Depois o casal de enamorados amaram-se loucamente sob as luzes difusas da Pont Neuf. Como haveria de ser. De volta ao Rio, os dois seguiram contentes até um certo mês de Agosto, um ano após a viagem. Xavier se dera conta de como seus ímpetos masculinos o haviam traído. Certa tarde em que Odete se encontrava na faculdade, o Espanhol acometeu-se de uma terrível saudade dos tempos em que não acordava todos os dias com a mesma mulher. Não que duvidasse de seu amor por Odete, só que por alguma razão inexplicável a felicidade lhe amargara o paladar. Tudo havia se tornado tediosamente previsível. Sua nova vida no Rio não lhe reservara mais surpresas. Do alto de sua cobertura em Copacabana, Xavier se vira enfadadíssimo. Foi quando resolveu discutir o caso com Odete de forma sincera: disse que preferia ser honesto com ambos. Não queria feri-la mas precisava de um tempo para refletir sobre a vida a dois. E como é sabido por todos: dar um tempo é tarefa individual. Odete não questionara a decisão do Espanhol, porém foi obrigada a chorar quando juntou seus pertences para nunca mais voltar. Era uma vez Cinderela. Ao decorrer de três meses, o suficiente para cicatrizar as feridas de amor, Xavier preferiu não abrir mão da cobertura – afinal o Rio de Janeiro não pagaria o preço por um caso de amor malogrado. Ao findar do sétimo mês lá estava ele novamente a passar noites em prostíbulos, jogando conversa fora com outros gringos, bebiricando seus drinques, cercado das mais belas damas de aluguel de Copacabana. Tudo estava em seu devido lugar, como deveria ser. Houve uma noite em que seus instintos exaltados falaram mais alto e ele resolveu levar uma menina para cobertura. Saciou seu apetite carnal com a mulata mais cobiçada da boite Help. Ao término do serviço sexual - que não incluía dormir em forma de conchinha - a menina, sem fazer cerimônia, pediu o lhe era de direito, vestiu-se e foi embora. Estirado na cama de casal, ainda nu, Xavier acendera um cigarro sorrindo e pensou: o amor é uma puta que se despede sem beijos. Como haveria de ser.
Sebastião M.
Sebastião M.
Um comentário:
Adorei!
É a cara do bairro. E está muito bem escrito.
Xavier tem a natureza do escorpião. Um dia pica (sem duplo sentido)
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