quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Yin

talvez narrativas fiem vidas.
talvez eu não tenha sido como me contei,
talvez nunca serei.
talvez não haja eu, apenas a tecelagem contínua entre dois pólos,
cujo projeto (que desconheço)
pulsa-me a traçar teias de associações arbitrárias,
sentidos trans-lúcidos,
dissipáveis pelo toque da dúvida como bolhas de sabão.

por trás do véu, a natureza sem foco
a noite, as coisas que acontecem
sem sentido ou intenção:
aqui se faz um mundo,
outro ali, em outra oitava
... e o momento um acorde,
dedilhado em terças e sextas e não haja maestro.

talvez os homens das ciências sejam certos e o nosso multiverso seja órfão.
talvez sejam mais loucos que os fanáticos da sé.
talvez seja só uma questão de abstração inútil e as coisas façam-se porque assim são feitas,
ou ao invés de aranhas sejamos primatas que descobriram o sentido ou a falta dele
e houve um alberto caeiro.

talvez nossa narrativa tenha enrijecido idéias,
platônicos discretos exilados na ponta do iceberg.

talvez apolo e dionísio fossem gêmeos e a virgem tenha nascido do oráculo.

talvez os hindus estejam certos e um deus me sonhe
ou tudo seja o espelho e o tigre que são o mesmo
como borges e tirésias, que alertaram para a escuridão.

talvez eu esteja errada, talvez eu creia.
teço um labirinto em que sei e outro em que queimam meus pecados
e outro em que sou louca ou nada.
sirvo a uma lenda que conta a natureza em mim,
a maior das minhas histórias e a inevitável e que talvez seja a poesia.

teci mundos olhando para os antigos, para os sonhos que me antecederam.
teci veias para me enterrar na placenta
e redes hídricas e vermelhas para me reunir em alguém que depois chamaram de um nome escandinavo.

talvez seja a verdade última, o naufrágio
e eu me derreta no oceano frio do mundo
como o gelo no copo
do uísque do meu pai.
talvez a vida me perpasse e desgaste as paredes dos meus poros, me levando em pó
para o deserto quente onde o tempo nasceu como naquele sonho desconexo,
e o tempo seja o deserto e o vento.

ah, dançar com o talvez da Dúvida,
a deusa voraz por epistemologia e altares pagãos como a noite pelo dia.
tolerar o calafrio do espelho na água da superfície e mergulhar no frescor não sabido,
em nem um pio das corujas que alerte os futuros.

o peso do infinito, matéria-prima do fio,
os deuses e a Certeza, outra deusa
enlouquecida em descrédito:
fiar-se com belos dedos, única âncora que há.

Um comentário:

Catiaho Reflexod'Alma disse...

Depois de tantos talvez
encaixou
com perfeição:
"o peso do infinito, matéria-prima do fio,
os deuses e a Certeza, outra deusa
enlouquecida em descrédito:
fiar-se com belos dedos, única âncora que há."

Bjins entre sonhos e delírios