quinta-feira, 22 de março de 2007

Cilada



O copo cintilava em cima da pia. Veneno de rato dissolvido em suco de laranja. Que idiotice! Que importava o gosto? Eu ia morrer mesmo. O telefone me tirou dos pensamentos.Guardei o copo rapidamente no armário.
-Alô. Querida? Fui promovido!Vamos comemorar... Era Roberto, meu marido.
Conversei com naturalidade, não podia decepcioná-lo, em seguida, desliguei. Ia preparar um jantar de comemoração. O suicídio ia ficar para amanhã.
Desde que descobri que tinha Aids minha vida virou um inferno.Não podia ser um transtorno para a família. Roberto era um marido exemplar, meu filho Douglas, uma criança adorável e meu pai, o velho Alfredo, homem íntegro e amigo. Novamente o telefone.
-Alô.Dona Sonia Rebelo?
-Sim, eu mesma.Quem fala?
-Aqui é do laboratório Brasil. A senhora fez um exame de sangue há três dias. Os resultados foram trocados por um funcionário inexperiente. A senhora não está doente. Seu exame deu negativo.
Não escutei mais nada. Eu não ia morrer! Deus! Foi Deus que tirou aquele copo de minhas mãos.
Fiz um jantar inesquecível.Filé a milanesa como Douglas gostava.Arroz de forno, batatas grelhadas, vinho tinto e musica romântica.Eram 23 horas quando finalmente eu e Roberto ficamos a sós.Olhares cúmplices, atrevidos, correria, nosso joguinho começara. Pega-pega, roupas pelos cantos, gemidos.Parecia a melhor de todas as noites. Nossa melhor performance!
Amanheceu! Era domingo e o relógio batia dez badaladas. Olhei para o lado, Roberto já tinha levantado. Vesti o roupão branco e fui até a cozinha.
-Bom dia amor. Dormiu bem? Ele me deu seu melhor sorriso.
Meus três amores sentados à mesa do café.
-Olá papai, que bom vê-lo. Querido, por que não me acordou? Eu faria o café de vocês.
-Nada disso. Fizemos um bolo de chocolate. Venha, experimente. Está delicioso.
-Mamãe. Eu arrumei a mesa. É a toalha que você gosta.
-Senta filha, antes que o café esfrie.
Os copos limpos no armário.O armário...aberto. O copo. Deus! O copo de veneno em cima da mesa... Um restinho de líquido amarelo... Quase vazio... Vazio...


Me Morte

17 comentários:

ofilhodoblues disse...

Putz Me!
Parabéns!

É assim que eu gosto... uma felicidade quase indizível , e uma tristeza, um desastre no final...

ótimo!
bjss
André Espínola

Anônimo disse...

Me, a leitura é agradável. O texto flui de forma natural. Parabéns! Gostei da postagem. Beijos!

Anônimo disse...

Me, muito bom, muito bom, é curto e fala por si...
vou arrumar a formatação
bjos

Unknown disse...

Parabéns, Me!! Texto bem escrito. Abçs, Bruno.

Lameque disse...

Notável Dona Me. Sexo, comida e morte é um dos temas que atraem a mim e Dr. Jekyll. Muito bom, bem escrito, com ritmo e despertando interesse.

Se me permite, lhe enviarei texto de Dr. Jekyll com um tema parecido.

Saudações!

Klotz disse...

Sempre prefiro na horizontal.
Poemas são verticais, prosa horizontal.
O copo de veneno não tomado é comum. Diferente é fazer um bolo com o veneno e produzir um resultado incomum. Bom.
Gostei também da escolha da gravura de Mário Gruber.

Anônimo disse...

Me.. Arrepiei com o final. Muito bom!!!!

beijos

Anônimo disse...

QUANDO VÍ O COPO DE VENENO ABANDONADO PELA QUASE-SUICIDA, PAARECEU TER VÍSTO O FINAL: ALGUÉM IRIA BEBER! MAS, AO DEIXAR NO AR QUEM TOMOU ( OU OU NÃO, JOGOU FORA ) SALVOU O QUE PARECEU SER PREVISÍVEL, FOI UMA BOA SACADA! LEGAL! BEIJOSSSSSS ME

Anônimo disse...

Me, sensacional. E o quadro do Gruber deu um ar especial à leitura.

Giovani Iemini disse...

Surpreendente, leve, direto e MUITO BEM ESCRITO.
Fera.

Dourado disse...

o plagiador ainda está bebendo neste buteco?

Muryel De Zôppa disse...

adorei, ME, como sempre fazendo juz a sua fama de boa contista.

Anônimo disse...

Este conto está muito bacana.Mesmo que você viesse com sua assinatura.Eu sabewria que é seu.O teu.O teu estilo é muito característico.Um pOco de sarcasmo, ironia, geralmete as mesmas figuras.As imagens te denunciam com a dono do texto.Parabéns!
Aviva!

Anônimo disse...

Apague o comentário acima.Escapuliu uns errinhos de digitação.Cruzes!!
......
Este conto está muito bacana.Mesmo que estivesse sem a sua assinatura, eu saberia que é seu.O teu estilo é muito característico.Você usa geralmente em seus textos: sarcasmo, ironia, geralmente as mesmas figuras.

As imagens te denunciam como a dona do texto.Parabéns!
Aviva!

Dourado disse...

Mea culpa, mea maxima culpa!

Ontem quando fiz aquela pergunta 'idiota' - aliás, típica da minha pessao - eu nem li o conto, q é muito bom, final surpreendente.
Lembrei um pouco da minha própria atitude:
- deixei um copo de veneno, depois me interei de alguns fatos, era tarde...

Fernando Maia Jr. disse...

Muito bem escrito (ritmo bom de leitura, seqüência de cenas, etc.), mas, ou talvez por isso, angustiante!...

(Beijos, lindona!)

Eduardo Perrone disse...

Me e suas temáticas, onde "passeia" como poucos eu conheci.
Beijo Grande!

EDU