sexta-feira, 8 de junho de 2007

EU SÓ SONHO


Esta é a história de um veleiro chamado Sonho. Há onze anos ele navega pelo litoral brasileiro levando a bordo uma tripulação um tanto curiosa. A começar pelo próprio mareante, dono da embarcação.
Não, não se trata de uma nova Odisséia ao gosto de Homero, apesar do tempo já gasto na viagem. É apenas um grupo de poetas reunidos em alto mar a fim de lançar o que têm de mais precioso: suas obras poéticas. Mas lançar como? Um sarau literário nos mares do Sul? Uma noite de autógrafos nos mares do Norte?
Na verdade seus intentos são bem mais modestos do que isso. Utilizando-se de um velho método artesanal e mais barato do que o processo normal de publicação de uma obra, eles buscam atingir seus leitores onde quer que eles estejam. E isso pode ser em qualquer canto do mundo. Um atendimento, digamos assim, bastante personalizado e sem intermediários.
Adotando o antigo sistema de mensagens jogadas ao mar em garrafas, originalmente usado para enviar pedidos de resgate aos náufragos desesperados, os poetas-navegadores lançam literalmente suas obras no oceano. Ao contrário de Camões, que salvou os manuscritos d’Os lusíadas a nado para que eles não se perdessem no mar quando do naufrágio de sua embarcação ao voltar de seu desterro na Índia no século XIV.
E, segundo eles o retorno tem sido satisfatório, pois das três mil garrafas já lançadas ao mar, trezentas delas já caíram nas mãos de leitores, atestado pelas respostas que recebem de apoio à iniciativa. Para sustentar a viagem os bardos também vendem suas obras em cada ancoradouro onde se faz necessária uma pausa.
Todos os marujos dessa verdadeira epopéia literária em alto mar vivem daquilo que escrevem, afirmando que o lucro obtido com suas obras gira em torno de setecentos reais mensais. Seus poemas podem ser encontrados também entalhados em pedras a beira-mar ao longo da costa brasileira.
Questionado por um leitor com espírito ecológico mais aguçado sobre o lançamento politicamente incorreto de garrafas ao mar, o poeta-mor tem uma única resposta tatuada no corpo: — “Eu só sonho”.


Texto baseado em reportagem de O Estado de São Paulo, de 27/06/2006 sob o título Garrafas salvam poesia do naufrágio.

8 comentários:

Giovani Iemini disse...

é o que fazemos aqui no bar tb.

Deveras disse...

Putz, muito loca essa parada...

Será que este barco vai ancorar lá pela Flip?

A gente podia alugar uma canoinha de cinco lugares e fazer o mesmo enquanto estivéssemos por lá.

Klotz disse...

Seria maravilhoso se eles lançassem algumas poesias no lago Paranoá, em Brasília.

MPadilha disse...

Caraca! Já pensou encontrarem um poema meu lá pras bandas de onde o judas perdeu as botas? Ia ser muito legal,rss...realmente, o que fazemos no Bar é igual. Muito bom Alê.

Larissa Marques - LM@rq disse...

Belo texto, Klotz, vamos colocar umas garrafas no Paranoá?

ofilhodoblues disse...

belo texto!
bjss

Lameque disse...

Um belo artigo, bem escrito.

Deu vontade de enfiar um texto dentro de uma garrafa e lança-lo ao mar.

Alessa B. disse...

obrigada pela acolhida ao texto. achei q era pertinente à realidade do bar e de tantos escritores q tentam divulgar sua obra da maneira q conseguem.