quinta-feira, 16 de agosto de 2007
A última canção da "crooner".
Escrito por
Véïö Chïñä‡
Era um serviço filha da puta que quase me esfolava vivo e praticamente nada deixava para ninguém. Nessa época de raros empregos, eu me sujeitara a um serviço de amassador de papelão e foi o melhor que pudera encontrar ao ler os classficados. E circundando com a caneta o anúncio que oferecia a vaga de "compactador de celulose" eu me perguntava que merda poderia ser aquela. E era nisso que eu pensava a caminho da entrevista, já que as coisas estavam difíceis e eu não queria passar fome e nem ser despejado do quarto onde morava. E assim lá estava eu naquele serviço de 10 horas diárias, com 60 minutos de intervalo para o almoço e onde eu pegava às 8 da manhã e largava as 6 da tarde. Nos faz bem acreditar que a sorte não nos abandona e assim eu fora o grande "sortudo", o bam bam bam entre os mais de 30 candidatos que apareceram pra preencher a vaga daquele serviço. Eu eu imaginava que fora o escolhido por me mostrar profundamente desinteressado por aquilo tudo e, isso, de alguma forma, deve tê-los impressionado. E ainda mais por se levar em consideração que em alguns serviços, eles não se ligam em gente que possa parecer esperta demais, falante demais e então escolhem alguém que julgam ser mais fácil de manobrar. E foi assim que virei um amassador de papelões. Nesse setor, estávamos em 10 funcionários e ficávamos socando com os pés centenas de quilos de papelão e ao cabo disso revisávamos e amarrávamos os fardos que deveriam pesar exatamente 100 quilos cada. No fim do dia, nossas pernas e pés estavam dormentes e praticamente não sentíamos mais nada ao pisarmos naquele mundo de papelões. E cada vez que achávamos que não havia mais nada a ser pisado lá vinham eles e despejavam novas montanhas. Chegadas, desamarrávamos os fardos e procedíamos à vistoria em cada uma de suas folhas e retirávamos as partes que estavam com problemas, como manchas de óleo, ou o apodrecimento pela umidade e novamente fazíamos do peso dos nossos corpos e dos nossos pulos os agentes necessários para compactá-los, amarrá-los e pesá-los para serem reencaminhados à fábrica de celulose.
Às 6 da tarde, pontualmente, tocava a sirene que nos avisava que mais um dia de escravidão chegara ao fim e nós, os caras das pernas fodidas, rumávamos para o vestiário e nos livrávamos dos suados uniformes cinza-escuro. E, embaixo do chuveiro é que o corpo voltava à realidade e ao contato do jato de água as pernas reviviam e então vinha a dor que se iniciava logo abaixo da linha da cintura e se estendia até os dedos dos pés. E assim eram os nossos dias e, de interessante mesmo, só a voluptosa secretária do sr. Carlos. Janice era o nome. Uma garota de uns 25 anos, loira, linda e dona de um rabo sensacional e que adorava cruzar as pernas e nos deixar ver a forma perfeita na textura da sua pele rósea e suave. Ela sabia que nos excitava e parecia se divertir com isso e eu não sabia dizer o motivo mas tudo indicava que ela ia com a minha cara e era comum fragrá-la me observando na fila do relógio de ponto ou nos dias de pagamento. E, mesmo, achando que ela me dava uma certa bola nunca fomos além dos sorrisos que davamos toda vez que nossos caminhos se cruzavam. Havia também o seu noivo e o terno de ombros quadrados que pontualmente as 6 da tarde estavam por lá, acompanhados do seu sorriso falso e do Monza 86. Eu não podia me definir como um homem bonito e não o era. E, talvez, os lábios grossos, os olhos escuros e as pernas fortes e musculosas fossem os meus melhores e mais interessantes predicados. E assim, saindo da firma, lá ia eu para o ponto de ônibus e não foram poucas às vezes que dentro dele, amarrotado, acabei me excitando ao encostar no rabo daquelas meninas gostosas. Não que o fizesse deliberadamente e por sacanagem, mas era gente demais te espremendo que por vezes se tornava inevitável o contato, principalmente naquele horário, já que o ônibus ficava abarrotado por garotas que trabalhavam numa fábrica de confecções, próxima ao meu serviço. Ao descer, caminhava umas 7 quadras até em minha casa, se é que poderia ser chamado de casa um cômodo de quarto-cozinha, imundo, localizado numa fétida viela no bairro do Braz. Chegando, ainda com as pernas latejando, eu pouco tinha a fazer se não fosse beber a minha vodca barata, matar o tempo e esperar a Rita. E ela, ao chegar em casa, onvariavelmente me pegava meio alto e então as brigas começavam:
-Mas que merda! todo dia tem que ser assim? ela vociferava e ao qual eu contra atacava:
-Você pensa que eu não sei? Imaginava que eu não sei que você fica se esfregando naqueles “engomadinhos” pervertidos?-
Eu era mais contundente e então gritava e gesticulava mais puro exibicionismo de um ciúmes doentio. E aquelas brigas eram constantes o que tornava insuportável a nossa convivência, afinal, ela, cedera à minha obstinada persuação e abandonara o seu trabalho de crooner e arrumara um serviço durante o dia num dos salões de dança em uma das ruas do centro da cidade. Na verdade, era uma casa de dança onde os homens compravam suas fichas e escolhiam a moça com a qual preferiam dançar.
-Ah mozinho! Deixa, vá? – E assim, também dui persuadido e ela aceitou o serviço já que o meu salário só cobria para o aluguel e algumas pequenas despesas de casa. E a Rita, vaidosa e bonita, gostava, vez ou outra de ter suas calcinhas e sutiãs novos. Após comvencido ela iniciou assim no Club Cartolas. Mas o pior estava por acontecer e com o passar dos meses, a situação ficava cada vez mais caótica e ela dera de chegar em casa cada vez mais tarde e aquilo me deixava puto da vida, apesar dela alegar que os clientes eram tantos que a dona do clube passou a exigir que elas fizessem horas extras. A princípio eu aceitei a argumentação mas como todo dia era a mesma coisa comecei a desconfiar e, assim lá estava eu, distante algumas quadras de casa e saia do bar onde fora comprar cigarros, quando vi estacionar um Mustang vermelho e dentro estava uma pessoa que eu conhecia muito bem. O carro parou e eu atravessei a rua para que não me vissem e então o rapaz virou-se para a bela jovem e a beijou. O beijo foi apaixonado e a jovem correspondia bastante e o seu corpo se espremia ao encontro do jovem rico. Antes que terminassem as carícias e mandei dali e retornei pra casa.
Passaram-se uns 40 minutos e Rita chegou e me encontrou sentado no esburacado sofá.
-Oras! Não está bebendo hoje por que mozinho? E alegremente se dirigiu ao banheiro. Pouco depois eu ouvia o som da descarga e ela saia de lá mais radiante do que entrara. Olhando-a, percebí em seu pescoço um grosso cordão de ouro com uma medalha de São Judas Tadeu, seu santo de devoção. Ela percebera que eu notara.
Ah mozinho, olha que bonito o que eu ganhei da dona do clube! – E dito isso tentou me convencer que a proprietária do Cartolas havia lhe dado de presente como prêmio do seu esforço e por ser a garota mais requisitada para as sessões de dança. E seus olhos brilhavam ao comentar o fato e ali eu senti alguma coisa se quebrando em mim e quanto mais ela falava sobre o assunto mais me doia. E ela entusiasmada não parava e me contava o quanto era requisitada e que isso, provavelmente, se devia a sua facilidade em trabalhar com toda espécie de rítimos.E ela falava, falava e ao ver que nada respondia resolver se calar. Naquela noite fez o jantar e eu não senti fome e nem vontade de beber e ela estranhou o fato de eu estar calado:
-Que bicho te mordeu mozinho? – E eu só a olhava e ela demonstrava estar incomodada com a minha atitude. Nessa noite ela quis fazer amor comigo e, tentou de todas as formas me excitar, me estimular e nada aconteceu e então se deu por vencida e não mais insistiu. Esperei-a pegar no sono e então levei a sua bolsa para o banheiro e sentado na privada vasculhei o seu conteúdo. Bingo! Encontrara o que estava procurando e um pequeno estojo com a marca de uma joalheria surgiu numa de suas repartições e junto se encontrava um cartão –
“Para a minha adorável e sensual Rita como prova do meu amor”
Do seu, Roberto.
Rita acabava de acordar e o relógio marcava 7 horas da manhã e ficou surpresa ao me ver sentado no sofá
-Ué! Não foi trabalhar por que mozinho? E como eu nada respondia se dirigiu até mim para verificar o que estava acontecendo e então viu a sua bolsa aberta e um cartão na minha mão.
-Está certo Rita! Eu sabia que isso iria um dia acontecer, mais cedo ou mais tarde.- sabia que tinha me partido ao meio. Tentou ainda argumentar que o presente fora dado por um senhor que mantinha alguma esperança mas que, longe disso, não passava de um mero cliente e que ela não tinha qualquer intenção de corresponder com velhote. Eu achei por bem não lhe jogar na cara o que eu tinha visto na tarde anterior pois seria humilhante e constrangedor para ambos.
-Rita, estamos nos separando. Está tudo terminado- disse eu com ar enfadonho e procurando não demonstrar qualquer emoção. Ela tentou argumentar que eu estava me precipitando mas, eu estava irredutível que ao fim de uma hora de conversa chegamos à conclusão que seria melhor ela ir morar com uma colega de serviço. Saiu e voltou após 10 minutos e confirmou;
-Está tudo certo. liguei para Vera e ela tem um lugar disponível na casa dela e estou indo pra lá, agora.- E então eu a vi arrumar as suas roupas. Vi as roupas espalharem-se pela cama e ela enfiar as lindas calcinhas , as quais tanto gostava, dentro daquela mala de couro e aos poucos as suas roupas foram desaparecendo do guarda roupa. Por fim foi a banheiro e escutei o barulho de vidros se chocando. Esmaltes, imaginei. E tudo providenciado, não trocamos uma palavra sequer e os nossos olhares estavam tristes. É estranho como numa situação dessa nos sentimos impotentes e, mesmo, nesse caso, no inicio parece algo de irreal, que as coisas vão se esclarecer, que haverão explicações que nos façam entender e aceitar. Bem, isso é o que gostamos de acreditar mas com o passar das horas um sentimento filha da puta de ruim nos domina e então sacramentamos qualquer impossibilidade de aceitar qualquer outra definição que não seja separação. Antes de sair me perguntou se eu tinha um pouco de dinheiro, pois necessitaria para pagar o táxi. Eu tinha umas pequenas notas e lhe dei e fiquei com alguns trocados no bolso.
-Mozinho, eu sempre vou te amar. Nunca se esqueça disso!- e chorando, cantarolou uma canção de amor antes de entrar no veículo
E então ela partiu e duas lágrimas brotaram dos meus olhos e ecoava dentro de mim a última frase da sua canção - " O meu amor, é um amor sem fim" - E eu sentia agora, longe da sua presença, o quanto isso doia. Olhei para o céu e grandes nuvens cinzas anunciavam que tempo ficaria ruim e uma rajada de vento gélido me ardeu no rosto e então entrei em casa e fiquei pensando como poderia ser a minha vida a partir daquele ponto. E fiquei lá, pensando sem chegar a conclusão alguma e aquilo foi me sufocando e eu precisava sair daquele lugar. E eu sabia que havia um mundo real me esperando lá fora. Havia todo tipo de gente desesperada, andando que nem barata tonta, sem saber pra onde ou o que fazer. Sabia que havia gente feliz, orgulhosa dos seu gordos salários, das suas mulheres maquiadas, patéticas, desfilando carros novos em ruas esburacadas. Eu sabia que havia todo o jogo do poder e da esperança, do forte se sobrepondo ao fraco, do rico fodendo o pobre e tudo tão obvio e tão certeiro como o aluguel no fim do mês. E eu exalei o cheiro da umidade e a infalível certeza que teria que agüentar o tranco nessa merda toda. E, não suportando mais estar ali comigo e com esses pensamentos, sai e caminhei pelo estreito corredor que abrigava os cômodos do cortiço e discreto acenei para um dos moradores que entrava. Não havia mais nada a fazer e então me passou pela cabeça que deveria ir numa igreja e me sentar num de seus bancos e acreditar que alguém pudesse fazer alguma por mim. E eu estava tão desesperançado que não tinha certeza que houvesse algo mais a ser feito. E confuso deixei para trás o enferrujado portão e segui em frente e o mundo me pareceu sem a menor importância . Na sexta esquina atravessei o farol e do outro lado da rua me aguardava um desgraçado. Era visivelmente agressivo a parte dos membros que lhe faltava, profundamente deprimente ver aquele espectro de gente rastejando pelas calçadas, implorando por um pedaço de pão e por um pouco de dignidade. Parei e o olhei do alto da minha infelicidade e das poucas moedas que eu tinha lhe joguei algumas e então o seu rosto se ergueu e os olhos sofridos me sorriram numa espécie de agradecimento. E seguindo em frente a caminho da igreja eu pensei no ser grotesco, pensei em Deus, revivi em mim e aquilo me amargurou. Talvez Deus não estivesse no melhor de seus dias. Talvez ele estivesse de saco cheio de nossas lamúrias, nossas reivindicações e de sempre querermos ser os melhores, a qualquer preço e, então avaliei a possibilidade dêle me questionar:
- O que você quer para sejas feliz? A falta de um par de pernas?
E esse pensamento teve um efeito devastador em mim e, se eu nao era a craitura mais feliz, também não era o maior dos desgraçados. E lá, de onde eu estava, já avistava a cruz no alto da igreja e enão a situação me pareceu patética e ao atravessar a rua eu mudara de planos e então entrei num bar.
- Uma dose de vódca, por favor.
Fui servido e brindei a Rita e ao seu novo destino e, mesmo ainda que doesse, eu torcia por ela. Ao terminar, bati o copo no balcão e o som fez despertar o desinteressado senhor que se encontrava do outro lado e ele então sorriu. Foi um sorriso nervoso e senti o seu ar de espanto quando novamente bati o copo no tampo de mármore:
- À Rita!
Deixei o copo inerte e joguei as notas em cima do balcão e me dirigi à porta de saída e dois olhos curiosos me seguiram. Ao sair, esbarrei num bêbado e o seu estado era lastimável e suas roupas fediam a carniça. Talvez não houvesse mais nada para êle por aqui. Talvez o todo poderoso, cansado, houvesse desistido dele também. Talvez, talvez, sempre haverá um talvez. Pensei nisso por instantes e seguindo em frente eu alcancei o farol e o mísero não mais se encontrava por lá. Aguardei o sinal verde e o atravessei. Eu voltava para casa e pra alguma dose queme aguardava tranquila no fundo da garrafa de vódca.
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3 comentários:
Véio, realmente é difícil dizê-lo com certeza, pois há muitos, mas esse é um dos seus melhores! Muito bem conduzida a história e bem contada também, o primeiro parágrafo está difudê, me vi nele,´passei muito por isso, esse negócio de entrevista de emprego, quando o cara está nem aí ele é o escolhido...
E também bem reflexivo!
Enfim, gostei pra kct
Difudê, viu?
eaihaiehaeiuhae
flew!
André
É, o mundo cão. Daria para seguir essa história.
Nota 10!
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