Romperam-se as grossas teias da rotina da minha caixa de correios. De dias em dias, somente propagandas desinteressantes e contas a pagar pousavam por ali. Ontem, porém, um pacote diferente se fez notar: não vinha naqueles envelopes padrões, sem graça, trabalhados mecanicamente, mas num envelope branco, algo amassado, comum e, ainda assim, lembrando os tempos do romantismo, quando amigos trocavam correspondências por esta moda antiga; e sobre o evelope, nada das letras frias impressas por computador, mas traços de caneta azul, pelos quais se liam: Giovani Iemini.
Era uma correspondência do Bar do Escritor! Eu, que reclamava da mesmice de propagandas e contas, poderia encontrar ali justamente isso: uma propaganda do nosso movimento e um anexo, falando da pendura e das minhas dívidas para com o bar. Mas seria totalmente diferente! Abri avidamente o pacote, e o seu conteúdo moderno contrastou com aqueles ares de outrora. Numa total marginália, impresso, estava em minhas mãos o primeiro produto físico dos escrevinhadores brasileiros que, aproveitando o que nossos tempos permitem, se reuniram numa gigante, mas virtual mesa de bar para falar do que mais lhes agradava: todo e qualquer tipo de literatura.
O "zine zero", como chamou o Gígio, me fez pensar em muitas coisas, mas estava difícil organizar todas as idéias. Juro que decidi acompanhar a leitura com uma lata de cerveja ou mesmo um copo ou de cachaça ou de vodka, para ajudar a construir o pensamento. Não me decidi rápido quanto à isso e, embora tenha dispensado a cerveja, me servi da vodka e abri a cachaça envelhecida, que havia alguns dias eu tinha comprado. E não me importava misturar as coisas, o próprio "zine zero" pedia isso.
A leitura não foi rápida nem longa; o zine era um pequeno livreto, mas suas letras pediam tempo, tal qual aquela sobremesa, que não queremos comer de uma garfada, ou aquela noite de sexo, que poderia durar horas. Comi poesias, contos e opiniões, e na embriaguez daquelas letras, tudo me caiu bem. Arrotei o bar ou acendi um cigarro (se estamos falando da sobremesa ou do sexo), pensei e dormi.
Quais são os sonhos do bar? E que roteiro louco seguirão ele e seus freqüentadores? Até onde chegará sua arte? Expandir-se-á ou será reduzida? E em quais tempos caminhará: no futuro bom que a esperança firme de alguns textos do Wilson sugere ou na distopia trazida pelas indigestas palavras do Velho China? Será gracioso como o sertanismo de Muryel de Zoppa ou luxurioso como o goticismo da Me?
Não sei como é o bar nem como será: as crônicas do Klotz nos mostram, mesmo quando tecem críticas muito convenientes, um presente bom, leve e bem-humorado, como é típico dos "happy hours" dos melhores bares de Brasília; por outro lado, os conflitos das poesias de Larissa Marques nos remetem àquelas noites sofridas, solitárias, que preenchemos com goles de conhaque, mergulhados num silêncio íntimo e rodeados pelo barulho das mesas vizinhas. O sarcasmo do Mão Branca constrói um salão de sinuca, em que um descompromisso marginal se faz ver na marola da fumaça dos cigarros e ouvir no clac!-clac! das bolas coloridas, socando-se umas as outras. E, enquanto isso, as rimas do André e do Anderson o transformam naqueles cafés simpáticos ou refinados de Recife ou de Sampa.
Acho que o bar é indefinível; é confuso. Nele, encontramos descrença e esperança; máscaras e revelação; vida pública e impulsos íntimos. O bar é brasileiro e universal. É nano e tera. É a diversidade dos nossos tempos e a liberdade de expressão; é para o dia e para a noite, para o sol e para a chuva, para Bukowski e para Oswald de Andrade. Afinal, o que esperar de um bar de escritores? Este bar é o que somos e queremos ser.
Amigos... Saúde!
5 comentários:
caralho, belíssima definição do bar de forma talentosa e gostosa de ler! Perfeito "retrato" o momento! Tive uma emoção tbm parecida com esta sua, mto bom!
E valeu pela lembrança!
flew!
* Ergue o copo e bebe!
Eu me emocionei lendo teu texto, muito fera, como diz o gigio, me remeteu a tudo que sinto aqui nas noites e dias em que me perco na leitura dos bebuns ou na divulgação de nosso sonho. Minha alegria Fê, qdo recebi o ezine, foi no segundo envelope. O primeiro foi pra Me e foi uma alegria só. Mas o segundo veio junto de uma porrada de serviço, uns 60 envelopes pra subscritar e lá no finzinho, um solitário com a dedicatória: A Dona da Me não podia deixar de receber um...esse foi de matar. Beba uma por mim Fernando. Beijos
Acho demais este bar! Só depende de nós! Belo texto!
fiquei arrepiado, fernando.
achei o texto lindo e real.
[]s, meu chapa
Poxa, bonito este. Valeu pela referência a nós todos.
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