sábado, 1 de setembro de 2007

Uma cerveja para três garotas II

Psycho killer

“Não pareço que possa encarar os fatos
Estou tenso e nervoso e não posso relaxar
Eu não posso dormir, minha cama tá em chamas
Não me toque, sou um fio desencapado”

“I can’t seem to face up to the facts
I’m tense and nervous and I can’t relax
I can’t sleep because my bed’s on fire
Don’t touch me I’m a real live wire.”

A polícia não tinha pistas, os moradores da Cidade Ocidental estavam apavorados, eu queria fazer alguma coisa. Mais duas garotas foram mortas após o corpo da primeira ser encontrado no lixão. Esperei amanhecer e fui de moto para Goiás.

Não conhecia ninguém da delegacia.

- Fazemos o que podemos com essa estrutura. – Ouvi do major da PM em sua entrevista. Eu me infiltrava entre os jornalistas para conhecer os fatos.

Rodei pelas ruas esburacadas, beberiquei cafezinhos com beiçadas de cachaça nos botequins trocando papo-furado com os nativos. Ninguém sabia o que estava acontecendo. O assassino estava anônimo.

Um senhor de cabelo escovinha me perguntou quem eu era.

- Repórter. – Fui seco, não queria me explicar.

- De qual jornal? – Insistiu o velho.

- É confidencial.

- O que? – Agitou os braços. – Não pode! Tem que falar. – Gritou. – É a regra, tem que seguir a regra.

- Que regra? – Apontei para o peito do sujeito. – A sua regra? – Desdenhei. – Se quiser confusão vai ter. – Sussurrei em seu ouvido.

Eu estava tenso, a morte das garotas me enervava mais que eu queria. Assassinatos sexuais me deixavam em chamas, eu babava de desejo por uma vingança cruel.


"Psycho killer, qu' est-ce que c'est?
Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Fa Better
Run Run Run Run Run Run awaaaaaaaaay
Psycho killer, qu' est-ce que c'est?"

"Matator Psicótico, qual é que é
Muito Muito Muito Melhor
Fu Fu Fu Fu Fu Fu Fugindo
Matator Psicótico, qual é que é"

Evitava me meter em casos vasculhados pela mídia, sempre acabava com problemas em sumir com os vestígios da minha presença. Justiceiros, como eu, agiam de atalaia, para surpreender o alvo e escapulir impunes. Contudo, sem conhecer o assassino, eu teria que investigar e, assim, ficaria exposto a outros fatores que eu não podia controlar. E isso me dava medo.

Pelo almoço ouvi de um pé-de-cana que ali perto morava um sujeito que havia puxado cana por homicídio e estupro. Vivia num barraco cercado de árvores frutíferas. Observei o lugar por alguns minutos.

Um moleque chegou-se.

- Você é da polícia, né? – ele tinha uns dez anos mas aparentava uns seis. A pobreza afeta na infância e na velhice, deixando os adultos ainda mais gastos.

- Para quê tu quer saber? – O garoto podia ser os olhos de algum bandidinho. – Vaza daqui.

O pilantra me olhou de cima a baixo. Seu olhar de desprezo me divertiu.

- Você não é cana. É só um otário. – Sentenciou.

Até pensei em acertar um cascudo, mas apenas vigiei ao meu redor. Não vi ninguém, porém certamente havia muitos olhos. Apertei a ignição e sai com a moto. Dei umas voltas. Parei num armazém e peguei uma cerveja.

- O cara do barraco cheio de árvores.- Apontei com o nariz. – Cadê ele.

- Conheço não, doutor. – Respondeu o humilde atendente. Era magro e mirava os pés ao falar.

Estendi uma nota de 100 pilas. Na seqüência mostrei mais duas. Empurrei o dinheiro para baixo da calculadora.

Eu pervertia os valores do homem. Por mais honesto que fosse, se aceitasse aquele dinheiro o sustentaria por quinze dias. Por princípio ele jamais dedaria alguma pessoa, ainda mais um marginal que poderia se vingar. Mas o dinheiro denunciava minhas intenções, mais profundas. Eu mostrava o tanto. Ele estremeceu e molhou os dedos. Ninguém saberia de nada. Ademais, o que poderia acontecer? Se eu fosse da polícia iria prender o bandido. Se eu fosse matador iria livrar a comunidade daquele estorvo. O resultado seria útil de qualquer forma.

"Você começa uma conversa que nem pode terminar
Você está falando bastante mas você não está dizendo nada
Quando não tenho nada para dizer meus lábios ficam selados
Dizer uma coisa uma vez, por que dizê-la novamente?"

"You start a conversation you can't seem to finish it
You're talkin' a lot but you're not sayin' anything
When I have nothing to say my lips are sealed
Say something once why say it again"


- Conheço não, doutor. – Repetiu.

Esperei imóvel.

- Mas ele tá lá no barraco agora..- O homem sussurrou .

Confirmei que ouvi a informação.

- Manda uma caixa de cerveja. – pedi. – Tá por conta dos trezentos, né?!

Amarrei a caixa na moto e fui para o barracão. Eu iria oferecer um negócio de bandido, meter roubo ou dar um escondido, tudo bancado além do lucro para dividir igual. Era de encher os olhos de malandro. Quando relaxasse, eu daria o bote.

No barro das ruas pobres surgiu um carro arrastando pneu e me atingiu de lado, acertando minha perna sobre o motor da moto, fui para o chão arrastando o couro da jaqueta na pista até trombar num pé de pau. Saíram quatro caras do carro. E o moleque. Pensei em puxar o ferro mas sabia que seria fuzilado. Além do mais eu tava apavorado.

- O que tu quer aqui, bodinho? – Era moreno, forte e atarracado. Acertou a coronha na minha face.

Alguém me catou pelas costas e me puxou para meio da roda. Senti os chutes arrebentarem minhas costelas. Tentei proteger os olhos. Não queriam me matar, só desmaiei.

Dei por mim novamente com os caras arrancando minhas botas. Me acertavam e gritavam. Eu não agüentaria mais tanta porrada então fingi ter apagado. Quase me borrei de pavor, sorte não ter me alimentado, achei que morreria executado. Fui jogado na beira dum barranco. Deixaram as cuecas. Ainda bem, pensei que encontrariam meu cadáver nu.

"Ce que j'ai fait, ce soir la
Ce qu'elle a dit, ce soir la
Realisant, mon espoir
Je me lance vers la gloire
We are vain and we are blind
I hate people when they're not polite"


"O que eu fiz, esta noite
O que ela disse, esta noite
Concretizando, minha esperança
Eu lanço-me a glória
Somos vãos e cegos
Odeio pessoas quando elas não são educadas"

Esperei meus algozes sumirem de vista para voltar à estrada. Caminhei margeando a pista, evitando qualquer sinal de presença humana. O barulho de carro me faziam tremer. Tinha receio que eles voltassem para encerrar o serviço. Não sabia por que me liberaram. Eu não teria feito isso.

A surra me destruiu. A perna atropelada poderia estar quebrada, minhas costelas rachadas ardiam e as orelhas estavam inchadas. Foram muitos socos e chutes. Sorte não usarem paus nem canos.

Manquei até um posto de gasolina. Ofereci ao taxista a aliança de ouro em troca duma carona até perto da minha casa. Eu não queria deixar vestígios, nem da derrota, ao menos uma aliança sem nomes é inidentificável.

No velho monza me acomodei mais relaxado. O taxista me trouxe uma cerveja. Cortesia para a viagem, falou. Ligou o rádio e uma guitarra soou os acordes de Psycho Killer do Talking Heads. Acompanhei o baixo e entrou o vocalista. Era Scott Weiland com o Velvet Revolver. Aquela guitarra era o Slash. Gostei do som. Abri a cerveja e brindei.

- Uma cerveja para três garotas. – Bebi metade da lata. O motorista iniciou a viagem. Despedi-me da cidade. Eu estava arrebentado, haviam me roubado a moto, a arma, as roupas e a auto-confiança. Teria que trabalhar alguns meses até conseguir juntar dinheiro para novos equipamentos. Não sabia o que era pior, contudo: ter ficado tão horrorizado com as revanches do ofício de matador de bandidos ou, por outro lado, não ter cumprido a missão a que me propusera. – Uma cerveja foi o máximo que pude oferecer. – completei. Bebi o resto da lata. A cerveja estava amarga.

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Conheça o conto Uma cerveja para três garotas.

7 comentários:

MPadilha disse...

Novamente digo, perfeito, assim, machucando bem o personagem de início, pode fazê-lo bem ruim no final, se for continuar, claro.Um justiçeiro sempre é visto com ares de herói, mas corre o risco de ser encarado como mero bandido. Se apanha muito até pegar o tal, pode massacrá-lo que continuará visto como moçinho.
Também sugiro novamente que vc desapareça com o personagem como disse que talvez fizesse, porém, deixe no ar uma possível morte, sem certeza, para poder gerar um novo episódio. Seja bem vindo. Sou tua fÃ,rss. Beijos

Deveras disse...

Diferente essa do protagonista se dar mal. Fica no ar se ele vai voltar para finalizar o serviço...

ficanapaz

medusa que costura insanidades disse...

Interessante esse personagem, e adorei a inserção de passagens de canções e outras coisas líricas que não conhecia...elas podem ser vistas tanto como pistas,como entranhas das mentes de ambos os personagens

Anônimo disse...

legal, bem noir.... Parece Dashiell Hammett!

Anônimo disse...

vem cá essa música é Talking Heads??

Paulão Fardadão Cheio de Bala disse...

Phyasco killer.

Giovani Iemini disse...

fa fa fa fa fa better.