quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Convidada: Soninha Tarja Preta

Entre bichas mártires e bichas-vitrines.
Ontem, ao ver uma festa gay de grande proporção, fiquei imaginando o significado político daquela confraternização. Sim, minha amiga obtusa, eu sou uma bicha pretensiosa e prolixa, não vou falar das abobrinhas típicas da bicharada aqui e se quer isso, é melhor continuar lendo a Caras. Não serei engraçada neste artigo. Foi em uma festa dessas, inimagináveis há uns 20 anos atrás, que presenciei um dialogo conflituoso entre uma vazia bicha vitrine e uma bicha mártir.
Antes de qualquer coisa, deixe-me definir a bicha vitrine: é aquela que não tem individualidade própria, sua personalidade é uma construção de referencias externas, de tendências impostas e prontamente assimiladas. É aquela biba que vive produzidissima, preocupada em ostentar grandes marcas e as ultimas tendências da sociedade de consumo. Ela é vazia, fútil, mas bonita como uma mercadoria na prateleira deve ser. A bicha vitrine logra em ter a disposição liberdades individuais que o mundo liberal supostamente criou. Um mundo onde ela pode consumir livremente, ser respeitada enquanto “Pink market” e ficar em seu gueto feliz com seus cosméticos.
Já a bicha vitrine foi aquela que deu a cara à tapa. Não ao tapa da esteticista, mas ao tapa da policia, dos pastores e dos opressores costumeiros. Foi a que enfrentou os militares e os códigos reguladores. Estas foram encarnadas na travesti endiabrada, na passiva despudorada, na bicha intelectual, no cantor desavergonhado, no ator surubeiro. Essas bichas merecem aplausos. Foram as mártires que pavimentaram o caminho onde as bichas vitrines hoje dançam “tribal house”, felizes com suas roupas de marca.
Mas voltando ao dialogo conflituoso: Uma bicha vitrine, na arrogância dos seus vinte e poucos anos, reclamou que uma quarentona estava olhando para ela.
_ “Que foi tia? Ta com inveja da minha beleza? Não tenho culpa da senhora estar velha e derrotada!”.
_ “Ta doida?” – disse a quarentona. “Eu estava olhando para a sua blusa...”.
_ “Paciência, meu bem”. É Diesel, e eu não tenho culpa da senhora não ter dinheiro para comprar uma. Deve estar gastando muito com o seu convenio médico, né?
A partir daí, não houve mais dialogo. Adorei quando a quarentona, em autentica e valorosa revolta, deu um estrondoso tapa na cara da petulante bicha vitrine. Como diz Raoul Vaneigem: “Não renunciarei a minha parte de violência”.
Sim. Não vale a pena debater com gente obtusa, presa a superficialidades e vazias de conteúdo. Quem tem a aparência física como única referencia só vai entender a dor física como argumento e o tapa da quarentona foi perfeito. Minha amiga obtusa, se você acha que estou fazendo apologia da lesão corporal e da agressão física, o problema é seu, mas que achei a quarentona perfeita, eu achei.
Por isso bibas vitrines, aproveitem seu delicioso mundo de consumo e hedonismo, se reúnam apenas para dar close e fazer carão nas festas. Esqueçam a participação política e o exemplo das bichas mártires. Sim, no mundo dos shoppings e das raves, é feio pensar que antigamente as bichas eram queimadas, mortas, torturadas e internadas em hospícios. Esqueçam das bibas que peitaram o Opressor, que questionaram o Status Quo, que pagaram com a vida pela audácia de serem diferentes e de lutarem pelo direito de exercerem “o amor que não ousa dizer o nome”. Consumam, consumam e consumam! Deliciem-se com o território supostamente livre que o Opressor lhe oferece, desde que você compre os produtos dele e pense de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo Poder Midiático Capitalista. Narcotizem-se com as drogas da moda e dancem ao som da diva pop-star do momento. Esqueçam que o fantasma da Teocracia, da Homofobia e da Intolerância ainda continua existindo além das portas das butiques.
E quando estes fantasmas radicalizarem suas posições e tentarem entrar na sua casa, não haverá mais um bicha mártir para lhe socorrer. Nas celas do opressor, não há espaço para perfumes Gucci e a festa de tribal house vai acabar.
Ah, amiga obtusa! Antes que você me pergunte, não era eu a quarentona e se eu fosse ela, alem de ter dado um tapa na cara da bicha vitrine, ainda rasgaria a blusinha da Diesel dela...
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Soninha Tarja Preta
Ex-intelectual, ex-punk, ex-jet setter internacional e locomotiva socialite, não usa roupas de marca, se recusa a comprar qualquer coisa que seja publicada como “must have” e o único interesse no mundo da moda é em dar o cu para os modelos. Crítica, companheira de armas em vários grupos insurgentes anarquistas e revolucionários, odeia frases feitas e pensamentos únicos. Lamenta que muitas bichas viraram objeto de decoração e consumo. soninhatarjapreta@hotmail.com
http://www.manifestomix.com.br/

3 comentários:

Fernando Maia Jr. disse...

Antes de tudo, acho que vale a pena consertar um erro do autor: na segunda definição, ele repete o termo bicha-vitrine, enquanto deveria ser bicha-mártir.

Bem, um texto-opinião, tem quês de crônica e de ensaio, mas só isso. Particularmente, não gostei muito. Se o autor fosse hétero, é bem capaz de ser um anti-bichas. Controlador demais.

Meu partido é a liberdade. Alertando antes que a nossa liberdade acaba quando começa a liberdade do outro, digo: faz o que tu queres, há de ser o todo da lei (dentro do limite na primeira sentença). Ora, também eu detesto marcas, essas coisas, mas por que serei eu aquele a condenar os que gostam? Será que esta minha suposta qualidade ofusca os meus inúmeros defeitos? E será que o suposto defeito alheio invalida toda e qualquer qualidade que o outrem possua?

Sinceramente, este texto me decepciona em muitos aspectos. Pensei, e ainda penso, que no movimento homossexual se defendesse a liberdade e, mais do que isso, a ausência de rótulos. Mas o autor já começa rotulando - ou se é bicha-vitrine ou se é bicha-mártir. E, antes disso, só se é bicha. E qual foi/é o objetivo destas últimas? Não é justamente conseguir um campo de liberdade para as bichas em geral possam ser o que elas bem entenderem? Segundo o texto, parece que a única diferença é que o domínio passaria do "mundo hétero militar" ao do "mundo bicha-mártir", em que as bichas-vitrines continuariam reprimindo suas verdadeiras vontades, por mais fúteis que sejam.

Olha, pessoas vitrines não são exclusividade do mundo gay, e muito menos pessoas mártires. Gente fútil e vazia encontramos desde as áreas da moda à área científica. E gente mártir, desde o campo da literatura profana ao da religiosidade mais santa.

Minha opinião. E antes que o autor pergunte, não, eu não sou uma bicha-vitrine.

Glauber Vieira disse...

Bonitinho... tb reparei que houve um erro de construção, no trecho "Já a bicha vitrine foi aquela...", o correto seria bicha mártir.
Bom, algumas palavras estão sem acento.

Luciana disse...

Eu ri muito.